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Bautista Vidal-Poder Mundial Contra o Brasil

Trechos do livro-O Esfacelamento da Nação autor: Bautista Vidal
Poder Mundial Contra o Brasil
autor: Bautista Vidal

É ostensivo portanto que a globalização impôs mudanças energéticas para resolver a precária situação das nações hegemônicas, às custas de países como o Brasil, México, Argentina e outros. A fissão nuclear, a qual, ademais, não substitui combustíveis líquidos, pois gera calor, forma degradada de energia, está em processo de moratória mundial. Ou seja, esta forma energética está excluída como alternativa ao petróleo. As formas energéticas eólica, geotérmica, das marés, captação solar direta e outras, ganham espaço, embora sejam muito limitadas e restritas no seus usos. Não são portanto alternativas para a substituição do petróleo, de uso extensivo. A única forma energética de dimensões potenciais para ocupar o vácuo que se forma com o declínio dos combustíveis fósseis, é a biomassa, de produção preponderante nos trópicos. Seus derivados podem substituir sob a forma sólida, líquida e gasosa os combustíveis fósseis nas dimensões do consumo mundial, atual e futuro, para sempre.

A incompetência e a inapetência patriótica dos atuais dirigentes leva-nos à tragédia, no momento em que as potências econômicas tentam resolver seus cruciais problemas energéticos, ambientais, minerais, aqüíferos e genéticos pelo uso de tirania, sem precedentes, de um sistema financeiro espúrio, com o suporte conceitual de falsas teorias, ditas econômicas. Seu único parâmetro é moeda fictícia, fruto do arbítrio que opera como mercadoria abstrata: prepotente, sedutora e diabólica. Por meio dela é impossível a concorrência e com isso esmagam nossas empresas. Nenhuma sobrará! Com essa moeda fictícia apoderam-se de nossos patrimônios naturais estratégicos, sem necessidade de dar um só tiro ou correrem qualquer risco, pois os agentes nativos do poder externo fazem o serviço. Está clara a tendência das potências hegemônicas de transferirem as pressões econômicas e militares hoje exercidas sobre países do Oriente Médio, ricos em petróleo - energia do passado -, para onde está a energia do futuro, especialmente as florestas tropicais úmidas, a nossa Amazônia à frente. Para se apoderarem da Amazônia estão destruindo o Brasil. Pela esplendorosa natureza tropical, pela imensa riqueza do subsolo – Nação do Sol e das Águas-, pela raça cósmica que habita este continente, fruto de maravilhosa miscigenação de raças e de culturas, pela alegria de viver, pelo que fizeram nossos ancestrais heróis, santos e sábios, somos predestinados a construir apoteótica civilização, humana e justa, se nos libertarmos do colonialismo neoliberal que nos destrói e que está nos levando ao suicídio pelo controle de nossas mentes. Lembremos o que a história ensina: as civilizações não morrem, elas se suicidam.


Bomba no RioCentro –O Fim de uma Farsa- Belisa Ribeiro

Bomba no RioCentro – O Fim de uma Farsa
autor: Belisa Ribeiro

Descrição: Trinta e três anos depois a confirmação do que a Imprensa revelou desde o primeiro dia: os terroristas que erraram o golpe no atentado ao Riocentro em maio de 1981 eram parte do Governo Militar. O Presidente da República sabia do atentado que poderia ter matado 20 mil jovens e Chico Buarque, Elba ura do caso que se transformou em emblema da luta contra a censura e a ditadura na revelação exclusiva dos maiores jornalistas do Brasil. Os bastidores das histórias que nunca saíram nos jornais Belisa Ribeiro reúne neste livro: revelações sobre uma verdadeira guerra – a guerra da Imprensa contra a Ditadura, a Censura, a mentira oficial. Nos depoimentos dos jornalistas, os detalhes de como viveram as mais incríveis aventuras até vencer esta grande batalha na luta pela Democracia no Brasil;


O Corpo Guarda as Marcas - Bessel van der Kolk

O Corpo Guarda as Marcas
autor: Bessel van der Kolk

Descrição: O trauma é um dos grandes problemas de saúde pública atual, afetando não apenas sobreviventes de guerras e desastres naturais, como vítimas de violência doméstica, crimes urbanos, agressões, maus-tratos, abuso sexual, abandono e negligência. Um dos principais especialistas no assunto, o Dr. Van Der Kolk mostra como o trauma reformula o funcionamento do corpo e do cérebro, comprometendo a capacidade das vítimas de ter prazer, de criar laços saudáveis, confiar nos outros e se sentirem seguras. Com base em recentes descobertas científicas e em mais de trinta anos de trabalho clínico, ele apresenta tratamentos inovadores que oferecem novos caminhos para a recuperação de adultos e crianças ativando a neuroplasticidade natural do cérebro. Pontuado por impressionantes casos de coragem e superação, este livro expõe o tremendo poder de nossos relacionamentos tanto para ferir quanto para curar, e oferece uma nova esperança para recuperar vidas.


Como Evitar um Desastre Climático – Bill Gates

Como Evitar um Desastre Climático
autor: Bill Gates

Descrição: Bill Gates passou uma década investigando as causas e os efeitos da mudança climática. Com a ajuda de especialistas nas áreas de física, química, biologia, engenharia, ciência política e finanças, ele se concentrou no que deve ser feito para impedir uma catástrofe ambiental. Neste livro, o fundador da Microsoft não explica apenas por que precisamos zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa, mas também detalha como podemos atingir esse objetivo e superar os desafios que temos pela frente. A partir de sua experiência em inovação e de tirar ideias do papel, Gates descreve como a tecnologia já vem ajudando a reduzir as emissões, onde e como ela pode funcionar de forma mais eficaz, em quais setores precisamos de novidades e quem são os pesquisadores por trás delas. Finalmente, ele apresenta um plano prático para zerar as emissões, que inclui desde as políticas públicas até as atitudes que nós, cidadãos, podemos tomar a fim de monitorar o trabalho do governo, de nossos empregadores e de nós mesmos. Como o autor demonstra, zerar as emissões não será fácil, mas, seguindo os conselhos deste livro, é uma meta que está plenamente a nosso alcance.


A Guerra: a Ascensão do Pcc e o Mundo do Crime No Brasil
Bruno Paes Manso - Camila Nunes Dias

A Guerra: a Ascensão do Pcc e o Mundo do Crime No Brasil
autor: Bruno Paes Manso - Camila Nunes Dias

1. O racha Na sala reservada de uma penitenciária de Mato Grosso do Sul, depois de muita insistência e tratativas com as autoridades locais, um preso aceita conceder entrevista para uma pesquisa. Ele é apresentado por um agente penitenciário, desconfortável com a quebra em sua rotina de trabalho. Todos estão de pé na sala, diante de uma mesa e duas cadeiras. “Tudo bem mesmo falar com a pesquisadora?”, pergunta o carcereiro, olhando para o preso, que concorda de pronto,sem esconder a tensão refletida nos olhos espremidos de tanta raiva. O segurança sai da sala. Antes, coloca sobre a mesa um sanduíche de pão com presunto e queijo, talvez para aliviar o ambiente e deixar o preso à vontade. Carlos[1] não usa algemas nem uniforme do presídio. Ele aparenta ter trinta e poucos anos, tem a pele moreno-clara, nariz e lábios finos, um físico atarracado capaz de impor respeito. Sentado na cadeira, ele se mostra disposto a romper o silêncio naquele meio onde quem fala pouco tem mais valor. Parece decidido a colocar para fora algo que o incomoda. Quando abre a boca, pode-se ver que faltam os dois dentes superiores da frente. “Vai, abre logo o seu coração, o que você quer saber?”, Carlos provoca. “Você quer saber sobre a guerra das facções, certo?”, ele emenda. Sim, claro, não havia como negar. Era este o principal objetivo daquele encontro em dezembro de 2016. Os presídios brasileiros viviam momentos de incerteza. A mais poderosa facção brasileira, o Primeiro Comando da Capital, tinha rompido o pacto de não agressão que desde sua fundação mantinha com o Comando Vermelho, grupo criminoso criado no Rio de Janeiro e com franquias espalhadas em outros estados. Àquela altura, as informações sobre essa rixa ainda eram confusas. Ficariam evidentes semanas depois, precisamente a partir do dia 1o de janeiro de 2017, quando uma onda de rebeliões nos presídios chocou os brasileiros com a morte de mais de 160 presos. O rastilho de pólvora tinha sido aceso em junho com bilhetes copiados e compartilhados nos presídios e por mensagens de WhatsApp. O comunicado interno do PCC – chamado de “salve” – anunciava o rompimento com o CV. Conflitos isolados ocorreram ao longo do semestre. Mágoas e ressentimentos foram guardados até que irrompessem em uma explosão na virada do ano. Um dos primeiros indícios do embate que viria a ocorrer dentro do sistema penitenciário foi a agressão sofrida por Carlos, quatro meses antes. “Está vendo os meus dentes?”, ele pergunta, apontando os dedos para as janelas abertas em sua arcada superior. “Foram quebrados. Fui o primeiro a ser agredido pelo PCC aqui em Mato Grosso do Sul.”


Psicologia e Religião – Carl Gustav Jung

Psicologia e Religião
autor: Carl Gustav Jung

Descrição: Psicologia e religião (Obras completas de Carl Gustav Jung), Conferências pronunciadas nos Estados Unidos sobre a importância da religião para o desenvolvimento psicológico do homem. Jung se utiliza de uma série de sonhos de um homem moderno, para revelar-nos a função exercida pela psique inconsciente, e que lembra a alquimia. Jung, nesse estudo, admite na estrutura profunda da mente humana uma potencialidade nata que exerce uma função transcendente e impulsiona o ser humano a procurar a Deus e com Ele se relacionar através da religião. A importância desse assunto, analisado pelo enfoque psicológico, adquire maior interesse por ser tratado por C. G. Jung, pioneiro insuperado nas pesquisas da Psicologia Profunda.


Incidente em Roswell – Charles Berlitz

Incidente em Roswell
autor: Charles Berlitz

Descrição: Charles Berlitz nasceu em Nova York em 1914, neto do fundador das famosas Escolas Berlitz de Línguas. Formado em arqueologia e linguística, seu nome ficou famoso após a publicação de livros como O Triângulo das Bermudas, O Mistério da Atlântida e Sem Deixar Vestígios, todos já editados pela Nova Fronteira. Seu último livro, escrito em colaboração com o pesquisador William L. Moore, é este Incidente em Roswell. Como nos anteriores, os fatos nele narrados são rigorosamente provados. Berlitz não costuma ‘inventar’ as situações e os fenómenos descritos: tudo o que ele conta é antes questionado exaustivamente por ele próprio. Assim, o leitor -ainda que não queira acreditar — é posto diante de certas ‘verdades’ quase sempre escamoteadas do conhecimento do público. Incidente em Roswell e um livro apaixonante: o mínimo que se pode dizer é que, depois de lê-lo, muita gente vai, enfim, se convencer de que o privilégio de habitar o Cosmo não pertence apenas ao género humano…


A Origem das Espécies – Charles Darwin

A Origem das Espécies
autor: Charles Darwin

Descrição: Conhecido como ‘O livro que abalou o Mundo’, ‘A Origem das Espécies’, foi lançado em 1859 e as cópias da obra do biólogo e naturalista Charles Darwin se esgotaram logo no primeiro dia de lançamento – e o mesmo aconteceu com as seis impressões seguintes. Darwin lançou para o mundo as bases da ‘Teoria da Evolução Natural’, com o conceito do desenvolvimento de todas as formas de vida por meio de um processo lento de seleção, no qual apenas os mais fortes sobrevivem. Este livro reúne o relato dessa pesquisa.


Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Charles Darwin

Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo
autor: Charles Darwin

Descrição: Em 1831, o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), com apenas 22 anos, embarcou no navio Beagle para participar de uma expedição que duraria até 1833. A jornada acabou estendendo-se por cinco anos e, conforme as palavras do próprio Darwin, “determinou toda a minha carreira”. Foi enquanto colecionava espécimes em terras pouco exploradas que ele começou a formular as idéias que culminariam em A origem das espécies, seu principal livro e divisor de águas no modo do ser humano considerar a própria existência. Viagem de um naturalista ao redor do mundo traz os diários mantidos durante essa jornada pelo cientista, que passou pela África, pelas infindáveis costas da América do Sul (inclusive do Brasil), Terra do Fogo, Andes, ilhas Galápagos e Austrália. Acompanhamos Darwin na coleta diária de materiais, graças à qual acumularia um volume único de informações; a partir desses dados seriam formuladas as teorias de evolução e seleção natural – trabalho que pode ser adivinhado, subjacente e em gestação, a cada página de suas apaixonantes observações. Publicado primeiramente em 1839, com o título de Journal and Remarks (Diário e observações), este livro é um misto de relato de viagem, livro de memórias e bloco de apontamentos. E é, sobretudo, uma deliciosa e acessível introdução à mente de um dos pensadores mais influentes da história.


Tempos Difíceis – Charles Dickens

Tempos Difíceis
autor: Charles Dickens

Descrição: Neste clássico da literatura, Charles Dickens trata da sociedade inglesa durante a Revolução Industrial usando como pano de fundo a fictícia e cinzenta cidade de Coketown e a história seus habitantes. Em seu décimo romance, o autor faz uma crítica profunda às condições de vida dos trabalhadores ingleses em fins do século XIX, destacando a discrepância entre a pobreza extrema em que viviam e o conforto proporcionado aos mais ricos da Inglaterra vitoriana. Simultaneamente, lança seu olhar sagaz e bem humorado sobre como a dominação social é assegurada por meio da educação das crianças, com uma compreensão aguda de como se moldam espíritos desacostumados à contestação e prontos a obedecer à inescapável massificação de seu corpo e seu espírito. Acompanhando a trajetória de Thomas Gradgrind, um homem de fatos e cálculos, e sua família, o livro satiriza os movimentos iluminista e positivista e triunfa ao descrever quase que de forma caricatural a sociedade industrial, transformando a própria estrutura do romance numa argumentação antiliberal. Por meio de diversas alegorias, como a escola da cidade, a fábrica e suas chaminés, a trupe circense do Sr. Sleary e a oposição entre a casa do burguês Josiah Bounderby e a de seu funcionário Stephen Blackpool, o resultado é uma crítica à mentalidade capitalista e à exploração da força de trabalho, imposições que Dickens alertava estarem destruindo a criatividade humana e a alegria. Escrito em 1854, o clássico Tempos difíceis mantém sua atualidade. Em meio à crise capitalista que assola parte do mundo com números crescentes de desempregados e cortes de gastos dos Estados e, consequentemente, de empobrecimento da população , a obra de Dickens mostra um panorama histórico do sistema capitalista e faz uma crítica social contundente a ele. Mais do que nunca, torna-se leitura necessária para a reflexão sobre como o capitalismo se arraigou em nossa existência cotidiana. Completam a edição brasileira ilustrações de Harry French, publicadas com a segunda edição inglesa na década de 1870s.


O Sequestro da América – Charles H. Ferguson

O Sequestro da América
autor: Charles H. Ferguson

Descrição: Em 2011 o escritor e diretor Charles Ferguson saiu da festa de premiação do Oscar com uma estatueta em baixo do braço. Seu longa, Trabalho interno (Inside Job), ganhara o Oscar de melhor documentário. Em O sequestro da América, Ferguson aprofunda (e muito) o tema do filme, mergulhando no vale-tudo financeiro que levou os Estados Unidos, e o mundo, à maior crise da sua história desde a Grande Depressão. Baseado em uma série de documentos judiciais recentemente divulgados, o livro detalha a extensão dos crimes cometidos na especulação que causou o crack de 2008.


Bakhtin

Mikhail Mikhailovich Bakhtin

Pensador russo que nasceu em 1895 na cidade de Orel, e morreu em 1975, na capital da Rússia, Moscou.

O Circulo de Nevel, se constituiu de reuniões de intelectuais de distintas áreas do conhecimento, cujos encontros pretendiam dialogar para a obtenção de intercambio intelectual entre as diferentes disciplinas. As reuniões cessariam com o crescimento da repressão por parte do governo russo aos movimentos suspeitos. Embora a obra dos membros do grupo, em geral, não suscitasse desconfiança, Bakhtin foi condenado ao exílio por envolvimento em grupos de discussão suspeitos, como era o caso de três grupos de discussão de filosofia da religião que ele possivelmente se envolvera, os quais são Volfila, Irmandade de São Serafim e Voskresenie. Ao ser exilado em 1930, Bakhtin é acusado de corromper os jovens, e não pelo que ele escreveu.

Bakhtin amargou quinze anos no exílio, de 1930 a 1945, peregrinando pelas cidades de Kustanai do Cazaquistão, onde se submeteu a função como professor de contabilidade de criadores de porcos; Saransk na Mordovia, onde lecionou no Instituto Pedagógico da Mordóvia – lá ele foi considerado um departamento de literatura de um homem só; e Savelovo, onde foi professor de alemão e escreveu prolixamente, vivendo a custa de favores de amigos, até ser restituído a Saransk. Contudo, o exílio foi proveitoso, no que diz respeito a sua produção bibliográfica, duas de suas obras foram produzidas nesse período: Cultura popular na idade Média e no Renascimento no contexto de François Rabelais (2010) e alguns textos sobre teoria do romance que seriam reunidos e editados sobre o título Questões de Literatura e de Estética (2010)

Conceitos e teorias: “Dialogismo”; “Gêneros discursivos”; “Vozes do discurso”; “Cronotopo”; “Exotopia”; e o outro” e “Realismo grotesco e carnavalização”.

Dialogismo

Todo enunciado/texto existe, necessariamente, em relação, ou para relação de outros enunciados, ou seja, todo discurso traz algo do discurso de outrem e ao mesmo tempo é realizado e absorvido para outros e por outros.

Os gêneros do discurso

Mais uma vez, conforme Bakhtin em Os gêneros do discurso: “falamos apenas através de gêneros sem suspeitar que eles existam, pois eles nos são dados da mesma forma da língua materna” pois através do gênero se torna possível adivinharmos o discurso alheio. E, uma vez que é possível que se domine uma língua, sem que se domine os seus gêneros, estes se tornam indispensáveis para a compreensão mutua em um diálogo pois são eles que dão coesão à compreensibilidade de um enunciado. Esses fatos fazem com que seja impossível listar esses gêneros, principalmente porque surgem novos com o passar do tempo, como os que vêm sendo desenvolvidos nos meios de comunicação eletrônico, como torpedo sms, e-mail, chat, blog, etc

Vozes do discurso

Esse conceito, também foi referido por Bakhtin como plurivocidade, heteroglossia e bivocalidade. Significa, resumindo, que um enunciado, ou discurso é permeado por discursos ou enunciados que o antecedem, e como conseqüência em alguma instancia o reproduz, e que esses discursos ou enunciados antecedentes não pertenciam exatamente a uma pessoa, mas sim ao meio social que esse indivíduo pertencia, pois quem se pronuncia, pronuncia a voz de uma sociedade, que às vezes longínqua está no tempo e no espaço. Esse conceito é constantemente confundido com outro conceito bakhtiniano mais famoso, a polifonia, mas uma coisa não tem a ver com a outra, visto que a polifonia – que não nos interessa nesse texto – é um conceito que Bakhtin criou especificamente para designar o projeto estético de Dostoievski, onde a voz dos personagens e a voz do autor falavam em uma mesma altura.

Cronotopo

Forma de organizar o tempo e o espaço no romance, que apesar de sua restrição à obra literária tem uma relação de interação com a vida no mundo real, nas épocas passadas, quando o romance teve origem

Exotopia

O conceito de exotopia está relacionado com a atividade estética e a possibilidade que essa seja vista de fora, visto que isso é sugerido pela sua tradução literal, “lugar exterior”. Pois, a partir do momento em que nos distanciamos do objeto –não como na ilusão positivista de neutralidade, mas distanciamento em relação a tempo e espaço – se torna possível uma visão mais apurada desse texto (texto no sentido bakhtiniano), pois não estamos mais cercados pelas incertezas e aflições que estavam em torno de seus contemporâneos, e as várias reflexões que se fizeram durante esse espaço que nos separa do texto fez com que se criasse uma gama de interpretações que nos apresenta melhor aquele texto que na imediatez de sua elocução pode ter sido mal compreendido, ou totalmente distorcido

Carnavalização e realismo grotesco

Os conceitos estão presentes nos livros Problemas da poética de Dostoievski e Cultura popular na idade média e no renascimento no contexto de François Rabelais. No primeiro livro referido acima, Bakhtin realiza uma história do romance e relaciona sua gênese com o período helenístico, quando do nascimento de um gênero literário chamado sátira menipéia. Nesta época, onde está a gênese do romance, autores como Luciano de Samosata, Ésquilo, Sêneca, Macróbio, Sócrates deram vida a uma forma de texto risível, cômico, engraçado. Estes textos não produziam um riso destrutivo e interesseiro como a sátira de Petrônio e Juvenal, que zombava dos homens que não se enquadravam nos valores romanos contemporâneos. A literatura engraçada continuaria a circular na Europa no período medieval, apesar de certa repressão circulavam livros que descreviam banquetes de bandidos e injurias, que soavam engraçadamente ao leitor medieval, como Coena Cypriani. Essa cultura do riso não se manifestava somente através da literatura, ma também através das festas populares, a princípio, no mundo antigo greco-romano através das saturnais e depois, na idade média, através do carnaval e de outras manifestações populares, como a festas dos loucos e a linguagem da feira e das ruas, onde se manifestava oralmente a cultura popular que, até então não havia chegado aos textos escritos. Em Cultura popular na idade média e no renascimento no contexto de François Rabelais Bakhtin retoma as proposições a respeito da cultura popular, focalizando, dessa vez, o renascimento, onde novamente, e com toda força, floresceu essa cultura do riso, apresentando especialmente a obra de François Rabelais. Conforme sua tese, Rabelais, ao lado de Cervantes e de outros contemporâneos, foi um catalisador de uma cultura antiqüíssima que estava presente nas ruas, nas feiras e no carnaval popular, que foi transposta ao papel em sua obra Gargantua e Pantagruel. O efeito de transpor essa cultura à literatura e à arte recebeu o nome de “carnavalização”. A linguagem da carnavalização – que também é uma cosmovisão – é a dos insultos, do baixo ventre, palavras de baixo calão, dos xingamentos entre familiares que manifestam laços de proximidade, da inversão de valores e do realismo grotesco. O carnaval foi escolhido por que este era o momento em que a cultura do povo encontrava oportunidade para uma subversão não destrutível, onde o pobre e o rico eram nivelados, pois, nas apresentações do inferno medieval era isso o que se manifestava, “Alexandre o Grande remendava calções e assim ganhava a vida, Xerxes lá vende mostarda, Rômulo é lenhador, Dário limpador de latrinas”. O realismo grotesco está essencialmente associado com carnavalização, são manifestações da contraditoriedade, do movimento e do inacabamento, Bakhtin o designa como “tipo específico de imagens da cultura cômica popular em todas as suas manifestações” (2010, p.27). As imagens grotescas procedem da antiguidade, com o passar do tempo foram cada vez mais postas ás margens, até serem, no século XVIII, consideradas como mera anedota burguesa. As imagens do realismo grotesco estão relacionadas com a proximidade entre morte e vida, como nas imagens das Bruxas de Kerch que são velhas cadavéricas grávidas. Ou as imagens de fezes e urina que na antiguidade eram ambivalentes por serem representantes da ligação do ser humano com a terra e também dos órgãos genitais que estão envolvidos no processo execrarem a matéria imunda do interior do corpo e ao mesmo tempo estão envolvidos na produção da vida. No carnaval e no realismo grotesco todas as coisas são valoradas diferentemente da forma imposta pelas culturas oficiais.

A comunicação verbal, inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu poder etc. Na medida em que às diferenças de classe correspondem diferenças de registro ou mesmo de sistema (assim, a língua sagrada dos padres, o "terrorismo verbal" da classe culta etc.), esta relação fica ainda mais evidente; mas Bakhtin se interessa, primeiramente, pelos conflitos no interior de um mesmo sistema. Todo signo é ideológico; a ideologia é um reflexo das estruturas sociais; assim, toda modificação da ideologia encadeia uma modificação da língua. A evolução da língua obedece a uma dinâmica positivamente conotada, ao contrário do que afirma a concepção saussuriana. A variação é inerente à língua e reflete variações sociais; se, efetivamente, a evolução, por um lado, obedece a leis internas (reconstrução analógica, economia), ela é, sobretudo, regida por leis externas, de natureza social.

Ciência Política – Prof. Clóvis - Obras Recomendadas

Marxismo e Filosofia da Linguagem - Mikhail Bakthin
Capítulo I Estudo das Ideologias e Filosofia da Linguagem

• Tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Todo corpo físico pode ser percebido como símbolo: um instrumento de produção. É o caso, por exemplo, da foice e do martelo como emblema da União Soviética. Qualquer produto de consumo pode, da mesma forma, ser transformado em signo ideológico. O pão e o vinho, por exemplo, tornam-se símbolos religiosos no sacramento cristão da comunhão. • A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) em conseqüencia do processo de interação social. • •

Os problemas da filosofia da linguagem adquiriram, recentemente, uma atualidade e uma importância excepcionais para o marxismo. Na maioria dos setores mais importantes de seu desenvolvimento científico, o método marxista vai diretamente de encontro a esses problemas e não pode avançar de maneira eficaz sem submetê-los a um exame específico e encontrar-lhes uma solução. Para começar, as bases de uma teoria marxista da criação ideológica - as dos estudos sobre o conhecimento científico, a literatura, a religião, a moral, etc. - estão estreitamente ligadas aos problemas de filosofia da linguagem. Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide inteiramente com sua própria natureza. Neste caso, não se trata de ideologia.

No entanto, todo corpo físico pode ser percebido como símbolo: é o caso, por exemplo, da simbolização do princípio de inércia e de necessidade na natureza (determinismo) por um determinado objeto único. E toda imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico particular já é um produto ideológico. Converte-se, assim, em signo o objeto físico, o qual, sem deixar de fazer parte da realidade material, passa a refletir e a retratar, numa certa medida, uma outra realidade. O mesmo se dá com um instrumento de produção. Em si mesmo, um instrumento não possui um sentido preciso, mas apenas uma função: desempenhar este ou aquele papel na produção. E ele desempenha essa função sem refletir ou representar alguma outra coisa. Todavia, um instrumento pode ser convertido em signo ideológico: é o caso, por exemplo, da foice e do martelo como emblema da União Soviética. A foice e o martelo possuem, aqui, um sentido puramente ideológico. Todo instrumento de produção pode, da mesma forma, se revestir de um sentido ideológico: os instrumentos utilizados pelo homem pré-histórico eram cobertos de representações simbólicas e de ornamentos, isto é, de signos. Nem por isso o instrumento, assim tratado, torna-se ele próprio um signo. Por outro lado, é possível dar ao instrumento uma forma artística, que assegure uma adequação harmônica da forma à função na produção. Nesse caso, produz-se uma espécie de aproximação máxima, quase uma fusão, entre o signo e o instrumento. Mas mesmo aqui ainda discernimos uma linha de demarcação conceitual: o instrumento, enquanto tal, não se torna signo e o signo, enquanto tal, não se torna instrumento de produção. Qualquer produto de consumo pode, da mesma forma, ser transformado em signo ideológico. O pão e o vinho, por exemplo, tornam-se símbolos religiosos no sacramento cristão da comunhão.

Mas o consciência e que o aspecto exterior do signo é simplesmente um revestimento, um meio técnico de realização do efeito interior, isto é, da compreensão. O idealismo e o psicologismo esquecem que a própria compreensão não pode manifestar-se senão através de um material semiótico (por exemplo, o discurso interior), que o signo se opõe ao signo, que a própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos. Afinal, compreender um signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos já conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos. E essa cadeia de criatividadee de compreensão ideológicas, deslocando-se de signo em signo para um novo signo, é única e contínua: de um elo de natureza semiótica (e,portanto, também de natureza material) passamos sem interrupção para um outro elo de natureza estritamente idêntica. Em nenhum ponto a cadeia se quebra, em nenhum ponto ela penetra a existência interior, de natureza não material e não corporificada em signos. Essa cadeia ideológica estende-se de consciência individual em consciência individual, ligando umas às outras. Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de interação social. Apesar de suas profundas diferenças metodológicas, a filosofia idealista e o psicologismo em matéria de cultura cometem, ambos, o mesmo erro fundamental.

Situando a ideologia na consciência, eles transformam o estudo das ideologias em estudo da consciência e de suas leis: pouco importa que isso seja feito em termos transcendentais ou em termos empírico-psicológicos. Esse erro não só é responsável por uma confusão metodológica acerca da inter-relação entre domínios diferentes do conhecimento, como também por uma distorção radical da realidade estudada. A criação ideológica - ato material e social - é introduzida à força no quadro da consciência individual. Esta, por sua vez, é privada de qualquer suporte na realidade. Torna-se tudo ou nada. Para o idealismo ela tornou-se tudo: situada em algum lugar acima da existência e determinando-a. De fato, na teoria idealista, essa soberania do universo é a mera hipóstase de um vínculo abstrato entre as formas e as categorias mais gerais da criação ideológica. Para o positivismo psicologista, ao contrário, a consciência se reduz a nada: simples conglomerado de reações psicofisiológicas fortuitas que, por milagre, resulta numa criação ideológica significante e unificada. A regularidade social objetiva da criação ideológica, quando indevidamente interpretada como estando em conformidade com as leis da consciência individual, deve, inevitavelmente, ser excluída de seu verdadeiro lugar na existência e transportada quer para a empíreo supra-existencial do transcendentalismo, quer para os recônditos pré-sociais do organismo psicofisiológico, biológico. No entanto, o ideológico enquanto tal não pode ser explicado em termos de raízes supra ou infra-humanas. Seu verdadeiro lugar é o material social particular de signos criados pelo homem. Sua especificidade reside, precisamente, no fato de que ele se situa entre indivíduos organizados, sendo o meio de sua comunicação. Os signos só podem aparecer em um terreno inter individual. Ainda assim, trata-se de um terreno que não pode ser chamado de "natural" no sentido usual da palavra, é o do signo simbólico, é uma sensorialidade representativa.

Não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social.A consciência individual é um fato sócio-ideológico. Enquanto esse fato e todas as suas conseqüências não forem devidamente reconhecidas, não será possível construir nem uma psicologia objetiva nem um estudo objetivo das ideologias. É justamente o problema da consciência que criou as maiores dificuldades e gerou a formidável confusão que encontramos em todas as discussões relativas tanto à psicologia quanto ao estudo das ideologias. De maneira geral, a consciência tornou-se o asylum ignorantiae (latim "refúgio da ignorância") de todo edifício filosófico. Foi transformada em depósito de todos os problemas não resolvidos, de todos os resíduos objetivamente irredutíveis. Ao invés de se buscar uma definição objetiva da consciência, esta foi usada para tornar subjetivas e fluidas certas noções até então sólidas e objetivas. A única definição objetiva possível da consciência é de ordem sociológica. A consciência não pode derivar diretamente da natureza ,como tentaram e ainda tentam mostrar o materialismo mecanicista ingênuo e a psicologia contemporânea (sob suas diferentes formas: biológica, behaviorista, etc.). A ideologia não pode derivar da consciência, como pretendem o idealismo e o positivismo psicologista. A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem. Tudo o que dissemos acima conduz ao seguinte princípio metodológico: o estudo das ideologias não depende em nada da psicologia e não tem nenhuma necessidade dela. Como veremos, é antes o contrário que é verdadeiro: a psicologia objetiva deve se apoiar no estudo das ideologias. A realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade objetiva dos signos sociais. As leis dessa realidade são as da sociedade, evidentemente, é também uma parte da natureza, mas uma parte que é qualitativamente distinta e separada dela e que possui seu próprio sistema de leis específicas.

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Leis da comunicação semiótica e são diretamente determinadas pelo conjunto das leis sociais e econômicas. A realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica. A consciência individual não é o arquiteto dessa super estrutura ideológica, mas apenas um inquilino do edifício social dos signos ideológicos. Preliminarmente, portanto, separando os fenômenos ideológicos da consciência individual nós os ligamos às condições e às formas da comunicação social. A existência do signo nada mais é do que a materialização dessa comunicação. É nisso que consiste a natureza de todos os signos ideológicos. Mas esse aspecto semiótico e esse papel contínuo da comunicação social como fator condicionante não aparecem em nenhum lugar demaneira mais clara e completa do que na linguagem. A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social. O valor exemplar, a representatividade da palavra como fenômeno ideológico e a excepcional nitidez de sua estrutura semiótica já deveriam nos fornecer razões suficientes para colocarmos a palavra em primeiro plano no estudo das ideologias. É, precisamente, na palavra que melhor se revelam as formas básicas, as formas ideológicas gerais da comunicação semiótica. Mas a palavra não é somente o signo mais puro, mais indicativo; é também um signo neutro. Cada um dos demais sistemas de signos é específico de algum campo particular da criação ideológica. Cada domínio possui seu próprio material ideológico e formula signos e símbolos que lhe são específicos e que não são aplicáveis a outros domínios. O signo, então, é criado por uma função ideológica precisa e permanece inseparável dela. A palavra, ao contrário, é neutra em relação a qualquer função ideológica específica. Pode preencher qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral,religiosa. Além disso, existe uma parte muito importante da comunicação ideológica que não pode ser vinculada a uma esfera ideológica particular: trata-se da comunicação na vida cotidiana.

Esse tipo de comunicação é extraordinariamente rica e importante. Por um lado, ela está diretamente vinculada aos processos de produção e, por outro lado, diz respeito às esferas das diversas ideologias especializadas e formalizadas. Trataremos, no próximo capítulo, com maior detalhe desse domínio especial que é a ideologia do cotidiano. Por ora, notemos apenas que o material privilegiado da comunicação na vida cotidiana é a palavra. É justamente nesse domínio que a conversação e suas formas discursivas se situam. Há uma outra propriedade da palavra que é da maior importância e que a torna o primeiro meio da consciência individual. Embora a realidade da palavra, como a de qualquer signo, resulte do consenso entre os indivíduos, uma palavra é, ao mesmo tempo, produzida pelos próprios meios do organismo individual, sem nenhum recurso a uma aparelhagem qualquer ou a alguma outra espécie de material extra corporal. Isso determinou o papel da palavra como material semiótico da vida interior, da consciência (discurso interior). Na verdade, a consciência não poderia se desenvolver se não dispusesse de um material flexível, veiculável pelo corpo. E a palavra constitui exatamente esse tipo de material. A palavra é, por assim dizer, utilizável como signo interior; pode funcionar como signo sem expressão externa. Por isso, o problema da consciência individual como problema da palavra interior, em geral constitui um dos problemas fundamentais da filosofia da linguagem. É claro que esse problema não pode ser abordado corretamente se se recorre aos conceitos usuais de palavra e de língua tais como foram definidos pela lingüística e pela filosofia da linguagem não-sociológicas. E preciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para compreender seu funcionamento como instrumentoda consciência. É devido a esse papel excepcional de instrumento da consciência que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha toda criação ideológica, seja ela qual for. A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os processos de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as manifestações da criação ideológica -todos os signos não-verbais - banham-se no discurso e não podem ser nem totalmente isoladas nem totalmente separadas dele. Isso não significa, obviamente, que a palavra possa suplantar qualquer outro signo ideológico.

Nenhum dos signos ideológicos específicos, fundamentais, é inteiramente substituível por palavras. É impossível, em última análise, exprimir em palavras, de modo adequado, uma composição musical ou uma representação pictórica. Um ritual religioso não pode ser inteiramente substituído por palavras. Nem sequer existe um substituto verbal realmente adequado para o mais simples gesto humano. Negar isso conduz ao racionalismo e ao simplismo mais grosseiros. Todavia, embora nenhum desses signos ideológicos seja substituível por palavras, cada um deles, ao mesmo tempo, se apóia nas palavras e é acompanhado por elas, exatamente como no caso do canto e de seu acompanhamento musical. Nenhum signo cultural, quando compreendido e dotado de um sentido, permanece isolado: torna-se parte da unidade da consciência verbalmente constituída. A consciência tem o poder de abordá-lo verbalmente. Assim, ondas crescentes de ecos e ressonâncias verbais, como as ondulações concêntricas à superfície das águas, moldam, por assim dizer, cada um dos signos ideológicos. Toda refração ideológica do ser em processo deformação, seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação. Todas as propriedades da palavra que acabamos de examinar - sua pureza semiótica, sua neutralidade ideológica, sua implicação na comunicação humana ordinária, sua possibilidade de interiorização e, finalmente, sua presença obrigatória, como fenômeno acompanhante, em todo ato consciente - todas essas propriedades fazem dela o objeto fundamental do estudo das ideologias. As leis da refração ideológicada existência em signos e em consciência, suas formas e seus mecanismos, devem ser estudados, antes de mais nada, a partir dess ematerial que é a palavra. A única maneira de fazer com que o método sociológico marxista dê conta de todas as profundidades e de todas as sutilezas das estruturas ideológicas "imanentes" consiste em partir da filosofia da linguagem concebida como filosofia do signo ideológico. Eessa base de partida deve ser traçada e elaborada pelo próprio marxismo.

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Capítulo 6 a Interação verbalininterrupta

A segunda orientação do pensamento filosófico-lingüístico liga-se, como vimos, ao Racionalismo e ao Neoclassicismo. A primeira orientação - a do subjetivismo individualista - está ligada ao Romantismo. O Romantismo foi, em grande medida, uma reação contra apalavra estrangeira e o domínio que ela exerceu sobre as categorias dopensamento. Mais particularmente, o Romantismo foi uma reação contra aúltima reincidência do poder cultural da palavra estrangeira: asépocas do Renascimento e do Classicismo. Os românticos foram osprimeiros filólogos da língua materna, os primeiros a tentarreorganizar totalmente a reflexão lingüística sobre a base daatividade mental em língua materna, considerada como meio dedesenvolvimento da consciência e do pensamento. É verdade, contudo, que os românticos permaneceram filólogos no sentido estrito do termo.Estava além de suas forças, com certeza, reestruturar uma maneira depensar sobre a língua que se formara e mantivera durante séculos. Nãoobstante, foram introduzidas naquela reflexão novas categorias, e elasé que deram à primeira orientação suas características específicas. Ésintomático que mesmo os representantes recentes do subjetivismoindividualista sejam especialistas em línguas modernas, principalmenteromânicas (Vossler, Leo Spitzer, Lorck e outros).Entretanto, o subjetivismo individualista apóia-se também sobre aenunciação monológica como ponto de partida da sua reflexão sobre alíngua.

É verdade que seus representantes não abordaram a enunciaçãomonológica do ponto de vista do filólogo de compreensão passiva, massim de dentro, do ponto de vista da pessoa que fala, exprimindo-se.Como se apresenta a enunciação monológica do ponto de vista dosubjetivismo individualista? Vimos que ela se apresenta como um atopuramente individual, como uma expressão da consciência individual, deseus desejos, suas intenções, seus impulsos criadores, seus gostos,etc. A categoria da expressão é aquela categoria geral, de nívelsuperior, que engloba o ato de fala, a enunciação.Mas o que é afinal a expressão? Sua mais simples e mais grosseiradefinição é: tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de algumamaneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente paraoutrem com a ajuda de algum código de signos exteriores.A expressão comporta, portanto, duas facetas: o conteúdo (interior) e sua objetivação exterior para outrem (ou também para simesmo). Toda teoria da expressão, por mais refinadas e complexas quesejam as formas que ela pode assumir, deve levar em conta,inevitavelmente, essas duas facetas: todo o ato expressivo move-seentre elas. Conseqüentemente, a teoria da expressão deve admitir que oconteúdo a exprimir pode constituir-se fora da expressão, que elecomeça a existir sob uma certa forma, para passar em seguida a umaoutra. Pois, se não fosse assim, se o conteúdo a exprimir existissedesde a origem sob a forma de expressão, se houvesse entre o conteúdoe a expressão uma passagem quantitativa (no sentido de umesclarecimento, de uma diferenciação, etc.), então toda a teoria daexpressão cairia por terra. A teoria da expressão supõeinevitavelmente um certo dualismo entre o que é interior e o que éexterior, com primazia explícita do conteúdo interior, já que todo atode objetivação (expressão) procede do interior para o exterior. Suasfontes são interiores. Não é por acaso que a teoria do subjetivismoindividualista, como todas as teorias da expressão, só se pôdedesenvolver sobre um terreno idealista e espiritualista. Tudo que éessencial é interior, o que é exterior só se torna essencial a títulode receptáculo do conteúdo interior, de meio de expressão do espírito.É verdade que, exteriorizando-se, o conteúdo interior muda deaspecto, pois é obrigado a apropriar-se do material exterior, quedispõe de suas próprias regras, estranhas ao pensamento interior. Nocurso do processo de dominar o material, de submetê-lo, de transformá-lo em meio obediente, da expressão, o conteúdo da atividade verbal aexprimir muda de natureza e é forçado a um certo compromisso. Por issoo idealismo, que deu origem a todas as teorias da expressão, engendrouigualmente teorias que rejeitam completamente a expressão, considerada como deformação da pureza do pensamento interior.

Em todo caso, todasas forças criadoras e organizadoras da expressão estão no interior. Oexterior constitui apenas o material passivo do que está no interior.Basicamente, a expressão se constrói no interior; sua exteriorizaçãonão é senão a sua tradução. Disso resulta que a compreensão, ocomentário e a explicação do fato ideológico devem dirigir-se para ointerior, isto é, fazer o caminho inverso do da expressão: procedendoda objetivação exterior, a explicação deve infiltrar-se até as suasraízes formadoras internas. Essa é a concepção da expressão nosubjetivismo individualista.A teoria da expressão que serve de fundamento à primeiraorientação do pensamento filosófico-lingüístico é radicalmente falsa.O conteúdo a exprimir e sua objetivação externa são criados, comovimos, a partir de um único e mesmo material, pois não existeatividade mental sem expressão semiótica. Conseqüentemente, é precisoeliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre oconteúdo interior e a expressão exterior. Além disso, o centroorganizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Nãoé a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é aexpressão que organiza a atividade mental , que a modela e determinasua orientação.Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão,isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata .Com efeito, a enunciação é o produto da interação de doisindivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja uminterlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médiodo grupo social ao qual pertence o locutor.

A palavra dirige-se a uminterlocutor : ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se setratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta forinferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada aolocutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido,etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagemcomum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. Sealgumas vezes temos a pretensão de pensar e de exprimir-nos urbi etorbi , na realidade é claro que vemos "a cidade e o mundo" através doprisma do meio social concreto que nos engloba. Na maior parte doscasos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido eestabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e daépoca a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossaliteratura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito.O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suasdeduções interiores, suas motivações, apreciações, etc. Quanto maisaculturado for o indivíduo, mais o auditório em questão se aproximarádo auditório médio da criação ideológica, mas em todo caso ointerlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe ede uma época bem definidas. 1 "O pensamento expresso pela palavra é uma mentira" (Tiutchev). "Oh, se pelomenos alguém pudesse exprimir a alma sem palavras!” (Fiet). Essas duasdeclarações são típicas do romantismo idealista Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem umaimportância muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duasfaces . Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém,como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamenteo produto da interação do locutor e do ouvinte . Toda palavra serve deexpressão a um em relação ao outro . Através da palavra, defino-me emrelação ao outro, isto é, em última análise, em relação àcoletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e osoutros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-sesobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor edo interlocutor.Mas como se define o locutor? Com efeito, se a palavra não lhepertence totalmente, uma vez que ela se situa numa espécie de zonafronteiriça, cabe-lhe contudo uma boa metade. Em um determinadomomento, o locutor é incontestavelmente o único dono da palavra, que éentão sua propriedade inalienável. É o instante do ato fisiológico dematerialização da palavra. Mas a categoria da propriedade não éaplicável a esse ato, na medida em que ele é puramente fisiológico.Se, ao contrário, considerarmos, não o ato físico dematerialização do som, mas a materialização da palavra como signo,então a questão da propriedade tornar-se-á bem mais complexa. Deixandode lado o fato de que a palavra, como signo, é extraída pelo locutorde um estoque social de signos disponíveis, a própria realização destesigno social na enunciação concreta é inteiramente determinada pelasrelações sociais. A individualização estilística da enunciação de quefalam os vosslerianos, constitui justamente este reflexo da inter-relação social, em cujo contexto se constrói uma determinadaenunciação. A situação social mais imediata e o meio social mais amplodeterminam completamente e, por assim dizer, a partir do seu própriointerior, a estrutura da enunciação. Na verdade, qualquer que seja a enunciação considerada, mesmo quenão se trate de uma informação factual (a comunicação, no sentidoestrito), mas da expressão verbal de uma necessidade qualquer, porexemplo a fome, é certo que ela, na sua totalidade, é socialmentedirigida. Antes de mais nada, ela é determinada da maneira maisimediata pelos participantes do ato de fala, explícitos ou implícitos,em ligação com uma situação bem precisa; a situação dá forma àenunciação, impondo-lhe esta ressonância em vez daquela, por exemplo aexigência ou a solicitação, a afirmação de direitos ou a prece pedindograça, um estilo rebuscado ou simples, a segurança ou a timidez, etc.A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e oestilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos da suaestrutura são determinados pelas pressões sociais mais substanciais eduráveis a que está submetido o locutor.Se tomarmos a enunciação no estágio inicial de seudesenvolvimento, "na alma", não se mudará a essência das coisas, jáque a estrutura da atividade mental é tão social como a da suaobjetivação exterior. O grau de consciência, de clareza, de acabamentoformal da atividade mental é diretamente proporcional ao seu grau deorientação social.Na verdade, a simples tomada de consciência, mesmo confusa, deuma sensação qualquer, digamos a fome, pode dispensar uma expressão exterior mas não dispensa uma expressão ideológica; tanto isso éverdade que toda tomada de consciência implica discurso interior,entoação interior e estilo interior, ainda que rudimentares. A tomadade consciência da fome pode ser acompanhada de deprecação, de raiva,de lamento ou de indignação. Enumeramos aqui apenas os matizes maisgrosseiros e mais marcados da entoação interior; na realidade, aatividade mental pode ser marcada por entoações sutis e complexas.

Aexpressão exterior, na maior parte dos casos, apenas prolonga eesclarece a orientação tomada pelo discurso interior, e as entoaçõesque ele contém.De que maneira será marcada a sensação interior da fome? Issodepende ao mesmo tempo da situação imediata em que se situa apercepção, e da situação social da pessoa faminta, em geral. Comefeito, essas são as condições que determinam o contexto apreciativo,o angulo social em que será recebida a sensação da fome. O contextosocial imediato determina quais serão os ouvintes possíveis, amigos ouinimigos para os quais serão orientadas a consciência e a sensação dafome: as imprecações serão lançadas contra a natureza ingrata, contrasi mesmo, a sociedade, um grupo social determinado, um certoindivíduo? Claro, é preciso distinguir graus na consciência, naclareza e na diferenciação dessa orientação social da experiênciamental. Mas é certo que sem uma orientação social de caráterapreciativo não há atividade mental. Mesmo os gritos de um recém-nascido são orientados para a mãe. Pode-se descrever a fome,acrescentando-se um apelo à revolta, à agitação; nesse caso aatividade mental será estruturada em função de um apelo potencial, afim de provocar a agitação; a tomada de consciência pode tomar a formado protesto, etc.Na relação com um ouvinte potencial (e algumas vezesdistintamente percebido), podem-se distinguir dois pólos, doislimites, dentro dos quais se realiza a tomada de consciência e aelaboração ideológica. A atividade mental oscila de um a outro. Porconvenção, chamemos esses dois pólos atividade mental do eu eatividade mental do nós. Na verdade, a atividade mental do eu tende para a auto-eliminação; à medida que se aproxima do seu limite, perde a suamodelagem ideológica e conseqüentemente seu grau de consciência,aproximando-se assim da reação fisiológica do animal. A atividademental dilapida então o seu potencial, seu esboço de orientação sociale perde portanto sua representação verbal. Atividades mentaisisoladas, ou mesmo seqüências inteiras podem tender para o pólo do eu ,prejudicando assim sua clareza e sua modelagem ideológica, e dandoprovas de que a consciência foi incapaz de enraizar-se socialmente.

A atividade mental do nós não é uma atividade de caráterprimitivo, gregário: é uma atividade diferenciada. Melhor ainda adiferenciação ideológica, o crescimento do grau de consciência sãodiretamente proporcionais à firmeza e à estabilidade da orientaçãosocial. Quanto mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a 2 Sobre a possibilidade de uma série de experiências sexuais humanas escaparemao contexto social com perda concomitante da verbalização da experiência, ver Freidizm . Op. cit. p. 135-136. coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais distintoe complexo será o seu mundo interior.A atividade mental do nós permite diferentes graus e diferentestipos de modelagem ideológica.Suponhamos que o homem faminto tome consciência da sua fome nomeio de uma multidão heteróclita de pessoas igualmente famintas, cujasituação se deve ao acaso (desafortunados, mendigos, etc.). Aatividade mental desse indivíduo isolado, sem classe, terá umacoloração específica e tenderá para formas ideológicas determinadas,cuja gama pode ser bastante extensa: a resignação, a vergonha, osentimento de dependência e muitas outras tonalidades tingirão a suaatividade mental. As formas ideológicas correspondentes, isto é, oresultado dessa atividade mental, serão, conforme o caso, ou oprotesto individualista do mendigo, ou a resignação mística dopenitente.Suponhamos agora que o faminto pertença a uma coletividade onde afome não se deve ao acaso, onde ela é uma realidade coletiva, mas ondeentretanto não existe vínculo material sólido entre os famintos, deforma que cada um deles passa fome isoladamente. É essa,freqüentemente, a situação dos camponeses. A coletividade (o "mir" * )sente a fome, mas os seus membros estão materialmente isolados, nãoestão ligados por uma economia comum, cada um suporta a fome nopequeno mundo fechado de sua própria exploração. Em tais condições,predominará uma consciência da fome feita de resignação, masdesprovida de sentimento de vergonha ou de humilhação: cada um diz asi próprio: "Já que todos sofrem em silêncio, eu também o farei". Ésobre um tal terreno que se desenvolvem os sistemas filosóficos ereligiosos fundados sobre o fatalismo e a resignação na adversidade(os primeiros cristãos, os tolstoianos, etc.).De maneira completamente diferente será experimentada a fomepelos membros de uma coletividade unida por vínculos materiaisobjetivos (batalhão de soldados, operários reunidos no interior dausina, trabalhadores numa grande propriedade agrícola de tipocapitalista, enfim toda uma classe social desde que nela tenhaamadurecido a noção de "classe para si"). Nesse caso, dominarão naatividade mental as tonalidades do protesto ativo e seguro de simesmo; não haverá lugar para uma mentalidade resignada e submissa. Éaí que se encontra o terreno mais favorável para um desenvolvimentonítido e ideologicamente bem formado da atividade mental 3 .Todos os tipos de atividade mental que examinamos, com suasinflexões principais, geram modelos e formas de enunciaçõescorrespondentes. Em todos os casos, a situação social determina que * Organismo de propriedade coletiva rural antes da revolução de 1917.(N.d.T.fr.). 3 Dados interessantes sobre a expressão da fome podem ser encontrados nasobras de um célebre lingüista contemporâneo, membro da escola de Vossler, LeoSpitzer: Italienische Kriegsgefangenenbriefe e Die Umschreibungen desBegriffes Hunger . O problema fundamental exposto é a adaptação flexível dapalavra e da representação às condições de uma situação excepcional. Falta aoautor, contudo, uma abordagem sociológica genuína. modelo, que metáfora, que forma de enunciação servirá para exprimir afome a partir das direções inflexivas da experiência.É preciso classificar à parte a atividade mental para si.

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Ela distingue-se claramente da atividade mental do eu que definimos acima.A atividade mental individualista é perfeitamente diferenciada edefinida. O individualismo é uma forma ideológica particular daatividade mental do nós da classe burguesa (encontra-se um tipoanálogo na classe feudal aristocrática). A atividade mental de tipoindividualista caracteriza-se por uma orientação social sólida eafirmada. Não é do interior, do mais profundo da personalidade que setira a confiança individualista em si, a consciência do próprio valor,mas do exterior; trata-se da explicitação ideológica do meu status social, da defesa pela lei e por toda a estrutura da sociedade de umbastião objetivo, a minha posição econômica individual. Apersonalidade individual é tão socialmente estruturada como aatividade mental de tipo coletivista: a explicitação ideológica de umasituação econômica complexa e estável projeta-se na alma individual.Mas a contradição interna que está inscrita nesse tipo de atividademental do nós , assim como na estrutura social correspondente, cedo outarde destruirá sua modelagem ideológica.Encontra-se uma estrutura análoga na atividade mental para si isolada ("a capacidade e a força de sentir-se no seu direito enquantoindivíduo isolado", atitude cultivada em particular por RomainRolland, e em parte igualmente por Tolstói). O orgulho que estaposição solitária implica apóia-se igualmente sobre o "nós". Essavariante da atividade mental do nós é característica da intelligentsia ocidental contemporânea. As palavras de Tolstói, afirmando que existeum pensamento para si e um pensamento para o público, implicam umaconfrontação entre duas concepções de público. Esse “para si”tolstoiano, na realidade, apenas indica uma concepção social doouvinte que lhe é própria. O pensamento não existe fora de suaexpressão potencial e conseqüentemente fora da orientação social dessaexpressão e o próprio pensamento.Assim, a personalidade que se exprime, apreendida, por assimdizer, do interior, revela-se um produto total da inter-relaçãosocial. A atividade mental do sujeito constitui, da mesma forma que aexpressão exterior, um território social. Em conseqüência, todo oitinerário que leva da atividade mental (o "conteúdo a exprimir") àsua objetivação externa (a "enunciação") situa-se completamente emterritório social. Quando a atividade mental se realiza sob a forma deuma enunciação, a orientação social à qual ela se submete adquiremaior complexidade graças à exigência de adaptação ao contexto socialimediato do ato de fala, e, acima de tudo, aos interlocutoresconcretos.Tudo isso lança uma nova luz sobre o problema da consciência e daideologia. Fora de sua objetivação, de sua realização num materialdeterminado (o gesto, a palavra, o grito), a consciência é uma ficção.

Não é senão uma construção ideológica incorreta, criada sem consideraros dados concretos da expressão social. Mas, enquanto expressãomaterial estruturada (através da palavra, do signo, do desenho, dapintura, do som musical, etc.), a consciência constitui um fato objetivo e uma força social imensa. É preciso notar que essaconsciência não se situa acima do ser e não pode determinar a suaconstituição, uma vez que ela é, ela mesma, uma parte do ser, uma dassuas forças; e é por isso que a consciência tem uma existência real erepresenta um papel na arena do ser. Enquanto a consciência permanecefechada na cabeça do ser consciente, com uma expressão embrionária soba forma de discurso interior, o seu estado é apenas de esboço, o seuraio de ação ainda limitado. Mas assim que passou por todas as etapasda objetivação social, que entrou no poderoso sistema da ciência, daarte, da moral e do direito, a consciência torna-se uma força real,capaz mesmo de exercer em retorno uma ação sobre as bases econômicasda vida social. Certo, essa força materializa-se em organizaçõessociais determinadas, reforça-se por uma expressão ideológica sólida(a ciência, a arte, etc.) mas, mesmo sob a forma original confusa dopensamento que acaba de nascer, pode-se já falar de fato social e nãode ato individual interior.A atividade mental tende desde a origem para uma expressãoexterna plenamente realizada. Mas pode acontecer também que ela sejabloqueada, freada: nesse último caso, a atividade mental desembocanuma expressão inibida (não nos ocuparemos aqui do problema muitocomplexo das causas e condições do bloqueio).

Uma vez materializada, aexpressão exerce um efeito reversivo sobre a atividade mental: elapõe-se então a estruturar a vida interior, a dar-lhe uma expressãoainda mais definida e mais estável.Essa ação reversiva da expressão bem formada sobre a atividademental (isto é, a expressão interior) tem uma importância enorme, quedeve ser sempre considerada. Pode-se dizer que não é tanto a expressãoque se adapta ao nosso mundo interior, mas o nosso mundo interior quese adapta às possibilidades de nossa expressão , aos seus caminhos eorientações possíveis. Chamaremos a totalidade da atividade mentalcentrada sobre a vida cotidiana, assim como a expressão que a ela seliga, ideologia do cotidiano , para distingui-la dos sistemasideológicos constituídos, tais como a arte, a moral, o direito, etc. Aideologia do cotidiano constitui o domínio da palavra interior eexterior desordenada e não fixada num sistema, que acompanha cada umdos nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciência.Considerando a natureza sociológica da estrutura da expressão e daatividade mental, podemos dizer que a ideologia do cotidianocorresponde, no essencial, àquilo que se designa, na literaturamarxista, sob o nome de "psicologia social". Nesse contextoparticular, preferimos evitar o termo "psicologia", pois importa-nosapenas o conteúdo do psiquismo e da consciência; ora, esse conteúdo étotalmente ideológico, sendo determinado por fatores não individuais eorgânicos (biológicos, fisiológicos), mas puramente sociológicos. Ofator individual-orgânico não é pertinente para a compreensão dasforças criadoras e vivas essenciais do conteúdo da consciência.Os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ciênciada arte e da religião cristalizam-se a partir da ideologia docotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma forteinfluência e dão assim normalmente o tom a essa ideologia. Mas, aomesmo tempo, esses produtos ideológicos constituídos conservamconstantemente um elo orgânico vivo com a ideologia do cotidiano; alimentam-se de sua seiva, pois, fora dela, morrem, assim como morrem,por exemplo, a obra literária acabada ou a idéia cognitiva se não sãosubmetidas a uma avaliação crítica viva.

Ora, essa avaliação crítica,que é a única razão de ser de toda produção ideológica, opera-se nalíngua da ideologia do cotidiano. Esta coloca a obra numa situaçãosocial determinada. A obra estabelece assim vínculos com o conteúdototal da consciência dos indivíduos receptores e só é apreendida nocontexto dessa consciência que lhe é contemporânea. A obra éinterpretada no espírito desse conteúdo da consciência (dos indivíduosreceptores) e recebe dela uma nova luz. É nisso que reside a vida daobra ideológica. Em cada época de sua existência histórica, a obra élevada a estabelecer contatos estreitos com a ideologia cambiante docotidiano, a impregnar-se dela, a alimentar-se da seiva novasecretada. É apenas na medida em que a obra é capaz de estabelecer umtal vínculo orgânico e ininterrupto com a ideologia do cotidiano deuma determinada época, que ela é capaz de viver nesta época (é claro,nos limites de um grupo social determinado). Rompido esse vínculo, elacessa de existir, pois deixa de ser apreendida como ideologicamentesignificante.Na ideologia do cotidiano, é preciso distinguir vários níveis,determinados pela escala social que serve para medir a atividademental e a expressão, e pelas forças sociais em relação às quais elesdevem diretamente orientar-se.O horizonte no qual esta ou aquela atividade mental ou expressãose materializa pode ser, como vimos, mais ou menos amplo. O pequenomundo da atividade mental pode ser limitado e confuso, sua orientaçãosocial pode ser acidental, pouco durável e pertinente apenas no quadroda reunião fortuita e por tempo limitado de algumas pessoas. É claro,mesmo essas atividades mentais ocasionais têm uma coloraçãosociológica e ideológica, mas situam-se já na fronteira do normal e dopatológico. A atividade mental fortuita permanece isolada da vidaespiritual dos indivíduos. Ela não é capaz de consolidar-se e deencontrar uma expressão completa e diferenciada. Pois, se ela não édotada de um auditório social determinado, sobre que bases poderiadiferenciar-se e tomar uma forma acabada? A fixação de uma atividademental como essa é ainda mais impossível por escrito, e a fortiori sobforma impressa.

A atividade mental nascida de uma situação fortuitanão tem a menor chance de adquirir uma força e uma ação duráveis noplano social.Esse tipo de atividade mental constitui o nível inferior, aqueleque desliza e muda mais rapidamente na ideologia do cotidiano.Conseqüentemente, colocaremos nesse nível todas as atividades mentaise pensamentos confusos e informes que se acendem e apagam na nossaalma, assim como as palavras fortuitas ou inúteis. Estamos diante deabortos da orientação social, incapazes de viver, comparáveis aromances sem heróis ou a representações sem espectadores. São privadosde toda lógica ou unicidade. É extremamente difícil perceber nessesfarrapos ideológicos leis sociológicas. No nível inferior da ideologiado cotidiano, só se apreendem regras estatísticas: é apenas a partirde uma grande massa de produtos dessa ordem que se podem descobrir asgrandes linhas de uma ordem sócio-econômica. Claro, na prática, éimpossível descobrir as premissas sócio-econômicas de uma atividade mental ou de uma expressão isoladas.Os níveis superiores da ideologia do cotidiano que estão emcontato direto com os sistemas ideológicos, são substanciais e têm umcaráter de responsabilidade e de criatividade. São mais móveis esensíveis que as ideologias constituídas. São capazes de repercutir asmudanças da infra-estrutura sócio-econômica mais rápida e maisdistintamente. Aí justamente é que se acumulam as energias criadorascom cujo auxílio se efetuam as revisões parciais ou totais dossistemas ideológicos. Logo que aparecem, as novas forças sociaisencontram sua primeira expressão e sua elaboração ideológica nessesníveis superiores da ideologia do cotidiano, antes que consigaminvadir a arena da ideologia oficial constituída. E claro, no decorrerda luta, no curso do processo de infiltração progressiva nasinstituições ideológicas (a imprensa, a literatura, a ciência), essasnovas correntes da ideologia do cotidiano, por mais revolucionáriasque sejam, submetem-se à influência dos sistemas ideológicosestabelecidos, e assimilam parcialmente as formas, práticas eabordagens ideológicas neles acumulados.O que se chama habitualmente "individualidade criadora" constituia expressão do núcleo central sólido e durável da orientação social doindivíduo.

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Aí situaremos principalmente os estratos superiores, maisbem formados, do discurso interior (ideologia do cotidiano), onde cadarepresentação e inflexão passou pelo estágio da expressão, de algumaforma sofreu a prova da expressão externa. Aí situaremos igualmente aspalavras, as entoações e os movimentos interiores que passaram comsucesso pela prova da expressão externa numa escala social mais oumenos ampla e adquiriram, por assim dizer, um grande polimento elustro social, pelo efeito das reações e réplicas, pela rejeição ouapoio do auditório social.Certamente, nos níveis inferiores da ideologia do cotidiano, ofator biográfico e biológico tem um papel importante, mas à medida quea enunciação se integra no sistema ideológico, decresce a importânciadesse fator. Conseqüentemente, se as explicações de caráter biológicoe biográfico têm algum valor nos níveis superiores, o seu papel éextremamente modesto. Aqui o método sociológico objetivo tem totalprimazia.Assim, a teoria da expressão subjacente ao subjetivismoindividualista deve ser completamente rejeitada. O centro organizadorde toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior:está situado no meio social que envolve o indivíduo. Só o gritoinarticulado de um animal procede do interior, do aparelho fisiológicodo indivíduo isolado. É uma reação fisiológica pura e nãoideologicamente marcada. Pelo contrário, a enunciação humana maisprimitiva, ainda que realizada por um organismo individual, é, doponto de vista do seu conteúdo, de sua significação, organizada forado indivíduo pelas condições extra-orgânicas do meio social. Aenunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer setrate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelocontexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida deuma determinada comunidade lingüística.A enunciação individual (a "parole"), contrariamente à teoria doobjetivismo abstrato, não é de maneira alguma um fato individual que, pela sua individualidade, não se presta à análise sociológica. Comefeito, se assim fosse, nem a soma desses atos individuais, nem ascaracterísticas abstratas comuns a todos esses atos individuais (as"formas normativamente idênticas") poderiam gerar um produto social.O subjetivismo individualista tem razão em sustentar que asenunciações isoladas constituem a substância real da língua e que aelas está reservada a função criativa na língua. Mas está erradoquando ignora e é incapaz de compreender a natureza social daenunciação e quando tenta deduzir esta última do mundo interior dolocutor, enquanto expressão desse mundo interior.

A estrutura daenunciação e da atividade mental a exprimir são de natureza social . Aelaboração estilística da enunciação é de natureza sociológica e aprópria cadeia verbal, à qual se reduz em última análise a realidadeda língua, é social . Cada elo dessa cadeia é social, assim como toda adinâmica da sua evolução.O subjetivismo individualista tem toda a razão quando diz que nãose pode isolar uma forma lingüística do seu conteúdo ideológico. Todapalavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada àevolução ideológica. Está errado quando diz que esse conteúdoideológico pode igualmente ser deduzido das condições do psiquismoindividual.O subjetivismo individualista está errado em tomar, da mesmamaneira que o objetivismo abstrato, a enunciação monológica como seuponto de partida básico. É verdade que alguns vosslerianos começaram aabordar o problema do diálogo, o que os leva a uma compreensão maisjusta da interação verbal. Citaremos por exemplo o livro de LeoSpitzer, Italienische Umgangsprache , onde se encontra uma tentativa deanálise das formas de italiano utilizado na conversação, em estreitaligação com as condições de utilização e sobretudo com a situaçãosocial do interlocutor 4 . O método de Leo Spitzer, contudo, é psicológico-descritivo . Ele não tira de sua análise nenhuma conclusãosociológica coerente. A enunciação monológica permanece a base darealidade lingüística para os vosslerianos.Otto Dietrich colocou com grande clareza o problema da interaçãoverbal 5 . Toma como ponto de partida a crítica da teoria de enunciaçãocomo meio de expressão. Para ele, a função central da linguagem não éa expressão, mas a comunicação . Isso o leva a considerar o papel doouvinte. O par locutor-ouvinte constitui para Dietrich, a condiçãonecessária da linguagem. Contudo, ele partilha essencialmente aspremissas psicológicas do subjetivismo individualista. Além disso, aspesquisas de Dietrich são desprovidas de qualquer base sociológica bemdefinida.Agora estamos em condições de responder às questões que colocamos 4 A esse respeito, a própria construção do livro é sintomática. Ele divide-seem quatro partes, cujos títulos são: "I. Formas de Introdução do Diálogo. II.Locutor e Interlocutor: a) Cortesia Para com o Parceiro; b) Economia eDesperdício da Expressão; c) Imbricação de Fala e Réplica. III. Locutor esituação. IV. Fim do Diálogo”. Hermann Wunderlich precedeu Spitzer na direçãodo estudo da língua da conversação corrente nas condições reais dacomunicação. Cf. seu livro: Unsere Umgangsprache (1894). 5 Ver Die Probleme der Sprachpsychologie, 1914 no início do quarto capítulo. A verdadeira substância da língua não éconstituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pelaenunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de suaprodução, mas pelo fenômeno social da interação verbal , realizadaatravés da enunciação ou das enunciações.

A interação verbal constituiassim a realidade fundamental da língua.O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é clarosenão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interaçãoverbal. Mas pode-se compreender a palavra "diálogo" num sentido amplo,isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoascolocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipoque seja.O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente umelemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas soba forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido demaneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado noquadro do discurso interior, sem contar as reações impressas,institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas dacomunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobreos trabalhos posteriores, etc.). Além disso, o ato de fala sob a formade livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores namesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outrosautores: ele decorre portanto da situação particular de um problemacientífico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discursoescrito é de certa maneira parte integrante de uma discussãoideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta,confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio,etc.Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja,constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbalininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, aoconhecimento, à política, etc.). Mas essa comunicação verbalininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evoluçãocontínua, em todas as direções, de um grupo social determinado. Umimportante problema decorre daí: o estudo das relações entre ainteração concreta e a situação extralingüística - não só a situaçãoimediata, mas também, através dela, o contexto social mais amplo.Essas relações tomam formas diversas, e os diversos elementos dasituação recebem, em ligação com uma ou outra forma, uma significaçãodiferente (assim, os elos que se estabelecem com os diferenteselementos de uma situação de comunicação artística diferem dos de umacomunicação científica). A comunicação verbal não poderá jamais sercompreendida e explicada fora desse vínculo com a situação concreta. Acomunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos decomunicação e cresce com eles sobre o terreno comum da situação deprodução. Não se pode, evidentemente, isolar a comunicação verbaldessa comunicação global em perpétua evolução. Graças a esse vínculoconcreto com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada poratos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atossimbólicos de um ritual, cerimônias, etc.), dos quais ela é muitasvezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar.A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nemno psiquismo individual dos falantes.

Disso decorre que a ordem metodológica para o estudo da línguadeve ser o seguinte:1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com ascondições concretas em que se realiza.2. As formas das distintas enunciações, dos atos de falaisolados, em ligação estreita com a interação de que constituem oselementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criaçãoideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretaçãolingüística habitual.É nessa mesma ordem que se desenvolve a evolução real da língua:as relações sociais evoluem (em função das infra-estruturas), depois acomunicação e a interação verbais evoluem no quadro das relaçõessociais, as formas dos atos de fala evoluem em conseqüência dainteração verbal, e o processo de evolução reflete-se, enfim, namudança das formas da língua.De tudo o que dissemos, decorre que o problema das formas daenunciação considerada como um todo adquire uma enorme importância. Jáindicamos que o que falta à lingüística, contemporânea é uma abordagemda enunciação em si. Sua análise não ultrapassa a segmentação emconstituintes imediatos. E, no entanto, as unidades reais da cadeiaverbal são as enunciações. Mas, justamente, para estudar as formasdessas unidades, convém não separá-las do curso histórico dasenunciações. Enquanto um todo, a enunciação só se realiza no curso dacomunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, quese configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciaçãocom o meio extraverbal e verbal (isto é, as outras enunciações).A primeira palavra e a última, o começo e o fim de uma enunciaçãopermitem-nos já colocar o problema do todo. O processo da fala,compreendida no sentido amplo como processo de atividade de linguagemtanto exterior como interior, é ininterrupto, não tem começo nem fim.A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano semlimites, o discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha sãodeterminadas pela situação da enunciação e por seu auditório.

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Asituação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se emuma expressão exterior definida, que se insere diretamente no contextonão verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelogesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na situação deenunciação. Uma questão completa, a exclamação, a ordem, o pedido sãoenunciações completas típicas da vida corrente. Todas (particularmenteas ordens, os pedidos) exigem um complemento extraverbal assim como uminício não verbal. Esses tipos de discursos menores da vida cotidianasão modelados pela fricção da palavra contra o meio extraverbal econtra a palavra do outro.Assim, a forma da ordem é determinada pelos obstáculos que elapode encontrar, o grau de submissão do receptor, etc. A modelagem dasenunciações responde aqui a particularidades fortuitas e nãoreiteráveis das situações da vida corrente. Só se pode falar defórmulas específicas, de estereótipos no discurso da vida cotidiana quando existem formas de vida em comum relativamente regularizadas,reforçadas pelo uso e pelas circunstâncias. Assim, encontram-se tiposparticulares de fórmulas estereotipadas servindo às necessidades daconversa de salão, fútil e que não cria nenhuma obrigação, em quetodos os participantes são familiares uns aos outros e onde adiferença principal é entre homens e mulheres. Encontram-se elaboradasformas particulares de palavras-alusões, de subentendidos, dereminiscências de pequenos incidentes sem nenhuma importância, etc. Umoutro tipo de fórmula elabora-se na conversa entre marido e mulher,entre irmão e irmã. Pessoas inteiramente estranhas umas às outras ereunidas por acaso (numa fila, numa entidade qualquer) começam,constroem e terminam suas declarações e suas réplicas de maneiracompletamente diferente. Encontram-se ainda outros tipos nos serões nocampo, nas quermesses populares na cidade, na conversa dos operários àhora do almoço, etc. Toda situação inscrita duravelmente nos costumespossui um auditório organizado de uma certa maneira e conseqüentementeum certo repertório de pequenas fórmulas correntes. A fórmulaestereotipada adapta-se, em qualquer lugar, ao canal de interaçãosocial que lhe é reservado, refletindo ideologicamente o tipo, aestrutura, os objetivos e a composição social do grupo. As fórmulas davida corrente fazem parte do meio social, são elementos da festa, doslazeres, das relações que se travam no hotel, nas fábricas, etc. Elascoincidem com esse meio, são por ele delimitadas e determinadas emtodos os aspectos. Assim, encontram-se diferentes formas de construçãode enunciações nos lugares de produção de trabalho e nos meios decomércio. No que se refere às formas da comunicação ideológica nosentido preciso do termo - as formas das declarações políticas, atospolíticos, leis, decretos, manifestos, etc.; e as formas dasenunciações poéticas, tratados científicos, etc. - todas elas foramobjeto de pesquisas especializadas em retórica e poética. Mas, comovimos, essas pesquisas estiveram completamente divorciadas, de umlado, do problema da linguagem, e do outro, do problema da comunicaçãosocial 6.

Uma análise fecunda das formas do conjunto de enunciações comounidades reais na cadeia verbal só é possível de uma perspectiva queencare a enunciação individual como um fenômeno puramente sociológico.A filosofia marxista da linguagem deve justamente colocar como base desua doutrina a enunciação como realidade da linguagem e como estruturasócio-ideológica.Após ter mostrado a estrutura sociológica da enunciação, voltemosagora às duas orientações do pensamento filosófico lingüístico paratirar conclusões definitivas. A lingüista moscovita R. Schor, quepertence à segunda orientação do pensamento filosófico-lingüístico(objetivismo abstrato), termina com as seguintes palavras um breveesboço da situação da lingüística contemporânea:"A língua não é uma coisa ( ergon ), mas antes uma atividadenatural e congênita do homem ( energeia )”, proclamava a investigaçãolingüística romântica do século XIX. É algo completamente diferente 6 Sobre o tópico da disjunção de uma obra de arte literária das condições dacomunicação artística e a resultante inércia da obra, ver nosso estudo,"Slóvo v jizni i slóvo v poézii” (A Palavra na Vida e a Palavra na Poesia), Zvesdá (Estrela), Editora do Estado, 6, 1926) (N.d.T.am.). que diz a lingüística teórica contemporânea: "A língua não é umaatividade individual ( energeia ), mas um legado histórico-cultural dahumanidade ( ergon )." 7 Essa conclusão espanta-nos por sua parcialidade e seu apriorismo.No plano dos fatos, ela é completamente falsa. Com efeito, a escola deVossler liga-se igualmente à lingüística teórica contemporânea, sendona Alemanha atual um dos movimentos mais fortes do pensamentolingüístico. É inadmissível reduzir a lingüística a apenas uma dassuas orientações. No plano da teoria, é preciso refutar tanto a tesequanto a antítese apresentadas por Schor. Com efeito, nem uma nemoutra dão conta da verdadeira natureza da língua.Vamos tentar formular nosso próprio ponto de vista com asseguintes proposições:1. A língua como sistema estável de formas normativamenteidênticas é apenas uma abstração científica que só pode servir acertos fins teóricos e práticos particulares . Essa abstração não dá conta de maneira adequada da realidade concreta da língua.2.

A língua constitui um processo de evolução ininterrupto , quese realiza através da interação verbal social dos locutores .3. As leis da evolução lingüística não são de maneira alguma asleis da psicologia individual, mas também não podem ser divorciadas daatividade dos falantes. As leis da evolução lingüística sãoessencialmente leis sociológicas.4. A criatividade da língua não coincide com a criatividadeartística nem com qualquer outra forma de criatividade ideológicaespecífica. Mas, ao mesmo tempo, a criatividade da língua não pode sercompreendida independentemente dos conteúdos e valores ideológicos quea ela se ligam . A evolução da língua, como toda evolução histórica,pode ser percebida como uma necessidade cega de tipo mecanicista, mastambém pode tornar-se "uma necessidade de funcionamento livre", umavez que alcançou a posição de uma necessidade consciente e desejada.5. A estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social . Aenunciação como tal só se torna efetiva entre falantes. O ato de falaindividual (no sentido estrito do termo "individual") é uma contradictio in adjecto . 7 Artigo já citado de Schor, “Krizis sovremiénnoi lingvistiki” (A Crise da Lingüística Contemporânea), p. 71.

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Nietzsche

Ao prefaciar seu Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche faz duas afirmações complementares: “existe poder de curar mesmo no ferimento” e “há mais ídolos do que realidades no mundo.” A filosofia de Nietzsche não é nem sistemática nem tampouco tributária da linguagem filosófica do século XIX. Durante o século XX o iconoclasta alemão acabou se tornando ídolo. Em razão disto, chegou o momento de voltar contra Nietzsche seu próprio método ou ausência dele. A implicância do filósofo alemão com Sócrates é evidente. Ao longo de um capítulo ácido, ele procura demolir o ídolo grego. O problema de Sócrates, entretanto, é um monumento construído sobre as nuvens. O Crepúsculo dos ìdolos - resenha


Pierre Bourdieu

Primeiramente eu gostaria de deixar claro que o meu objetivo não é denunciar de uma forma mecânica e fácil as pesquisas de opinião, mas, sim proceder a uma análise rigorosa de seu funcionamento e suas funções. O que supõe o questionamento de seus três postulados implícitos. Qualquer pesquisa de opinião supõe que todo mundo pode ter uma opinião; ou, colocando de outra maneira, que a produção de uma opinião está ao alcance de todos. Mesmo sabendo que poderei me chocar com um sentimento ingenuamente democrático, contestarei este primeiro postulado. Segundo postulado: supõe-se que todas as opiniões têm valor. Acho que é possível demonstrar que não é nada disso e que o fato de se acumular opiniões que absolutamente não possuem a mesma força real, faz com que se produza artefatos sem sentido. Terceiro postulado implícito: pelo simples fato de se colocar a mesma questão a todo mundo, está implícita, a hipótese de que há um consenso sobre os problemas, ou seja, que há um acordo sobre as questões que merecem ser colocadas. Estes três postulados implicam, parece-me, toda uma série de distorções observadas mesmo quando todas as condições do rigor metodológico são preenchidas na coleta e na análise dos dados. A Opinião Pública Não Existe


Sigmund Freud - O mal-estar na civilização

Escrito em 1929, às vésperas da quebra da bolsa de Nova York, O mal-estar na civilização é uma investigação das raízes da infelicidade humana, do conflito entre instintos e cultura, e de como a sociedade se impõe sobre o homem. Nele, Freud defende a ideia de que a civilização poupa os homens das principais fontes de sofrimento, protegendo-os da natureza e regulamentando os vínculos que criam entre si, mas, em troca, exige o sacrifício de suas pulsões. Ao traçar esse embate entre homem e civilização, Freud definiu seus principais conceitos psicanalíticos – Eu, Supereu, pulsões de prazer e de morte – e modificou definitivamente a imagem que o homem tem de si mesmo, dando origem à psicanálise. Este clássico da sociologia e da antropologia proporciona um verdadeiro mergulho na teoria freudiana da cultura, segundo a qual civilização e sexualidade coexistem de modo sempre conflituoso. O mal-estar na civilização


Spinoza - Ética

A Ética demonstrada à maneira dos geômetras (em latim: Ethica, ordine geometrico demonstrata), geralmente referida apenas como Ética de Espinoza, é a obra-prima do filósofo holandês de origem portuguesa Baruch Espinoza. Dividida em cinco partes, a obra parte da metafísica para chegar à ética. Na primeira parte se trata do ser, na segunda do homem, na terceira dos afetos, na quarta da servidão humana, e na quinta da liberdade. Ela foi publicada primeiramente em 1677. A primeira parte da Ética de Espinoza é dedicada a definir a substância e Deus e a fazer deduções a partir de tais definições, conforme explica o Autor no apêndice da Parte I: “No exposto até aqui, expliquei a natureza de Deus e as propriedades, tais como: que existe necessariamente; que é único; que existe e age somente pela necessidade da sua natureza; que é, e de que modo, a causa livre de todas as coisas; que tudo existe em Deus e d´Ele depende de tal maneira que nada pode existir nem ser concebido sem Ele; e, finalmente, que tudo foi predeterminado por Deus, não certamente por livre arbítrio, isto é, irrestrito bel-prazer, mas pela natureza absoluta de Deus ou, por outras palavras, pelo seu poder infinito.

O preconceito finalístico. -No Apêndice à primeira Parte da Ética, Spinoza propõe-se demonstrar como todos os erros da teologia tradicional – a começar pela crença supersticiosa num Deus em grande parte antropomorfo, a quem são atribuídas paixões humanas e que para o bajular se cai num mesquinho comércio de culto para a salvação – derivam de um único preconceito fundamental de que a natureza seja ordenada segundo um fim. Espinosa quer primeiro explicar por que os homens compartilham esse preconceito: «que toda a gente nasce ignorante das causas das coisas», o que os leva a iludir-se de serem livres simplesmente porque não conhecem as causas que os levam a agir; mas «todos desejam alcançar o que lhe é útil e de que são côncios», e uma vez que todos «encontram em si e fora deles bastantes meios que contribuem não pouco para que alcancem o que lhe é útil [...] são levados a considerar todas as coisas da Natureza como meios para a sua utilidade pessoal. E porque sabem que tais meios foram por eles achados e não dispostos, daqui tiraram motivo para a creditar na existência de outrem que os dispôs para que os utilizassem. [...] Foram levados a concluir que houve alguém ou alguns regentes da Natureza, dotados como os homens de liberdade e que cuidaram em tudo que lhes dissesse respeito e para sua utilidade fizeram todas as coisas». E «Quanto à compleição destes seres, como nunca ouviram nada a tal respeito, também foram levados a julgá-la pela que em si notaram. Daqui haverem estabelecido que os Deuses ordenaram tudo o que existe para uso humano, a fim dos homens lhes ficarem cativos e serem tidos em suma honra» O finalismo, em suma, não é senão a consequência da ignorância das causas e da imaginação que o homem usa (em vez da razão) para tentar conter esta sua ignorância. Ética (Espinoza)
A Definição de Deus na Ética (Espinoza)