Este trabalho pretende dar continuidade, em novo patamar, à luta simbolizada pelo livro Sugar blues, de William Dufty, falecido em 28 de junho de 2002 com 86 anos em Birmingham, Estado de Michigan, Estados Unidos. Eu tinha esperança de que ele chegasse a conhecer o desdobramento que seu livro inspirou em condições tropicais. Já havia um rebento primogênito, o Sem açúcar, com afeto de Sônia Hirsch. O livro de Dufty, por sua vez, foi publicado na esteira de outros tantos como o pioneiro Body, mind and sugar de Pezet & Abrahamson; The sweet malefactor, de W. Aykroyd; Saccharine disease de T. L. Cleaver; Low bloody sugar and you, de Frederick & Godman, e Sweet and dangerous de John Yudkin. Nenhum deles foi traduzido para o vernáculo. Sugar blues, no entanto, se destacou como o mais famoso libelo sobre o açúcar. Apareceu nos Estados Unidos em 1975; a edição brasileira é de 1978. Hoje o livro anda meio esquecido, além de marcado pela passagem do tempo. Conheço gente bem informada que o ignora; portanto creio oportuna a edição deste, que pretende, humildemente, ser o mais formidável dossiê jamais escrito sobre o açúcar. Aqui há informações que são, eu diria, surpreendentes mesmo para quem leu o Sugar blues. Por exemplo, sobre a toxicologia ou as propriedades explosivas do habitante do açucareiro.
O tratamento que dou ao tema e a maneira de expor são diferentes da utilizada por Dufty. Amarrando o assunto há uma hipótese ou teoria geral explicativa, ausente no Sugar blues, dando conta da revolução que o açúcar representou na história do gênero humano, desde seu advento como uma estranha droga doce consumida pelas elites até seu atual estatuto de novo ópio do povo que impregna quase tudo que entra pela boca do ser humano. Partindo desse quadro geral procuro em seguida mostrar, tomando como exemplo produtos básicos para a humanidade como o pão, o vinho, a pizza e o molho shoyo, como todos eles foram um a um sendo adulterados pela adição de açúcar e as conseqüências patológicas dessa brincadeira que inaugurou uma nova era na história da humanidade - a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas. Desnudo aqui o grande esquema prático e teórico montado em torno do açúcar que constitui a indústria da doença - a relação comensal estabelecida entre fabricantes de açúcar, indústrias de alimentos e bebidas e indústria farmacêutica-; e a cortina de açúcar - o aparato ideológico usado por todo o pessoal direta e indiretamente envolvido na propaganda e na institucionalização da dieta açucarada moderna. Rasgando essa cortina, coloco em pratos limpos, por exemplo, a teoria dos açúcares e desmistifico alguns conceitos muito usados pelos profissionais da área de saúde. Confesso aqui também meu débito intelectual para com Robert C Atkins, o mercador de gorduras da medicina oficial, autor do famoso A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins. Ele olhou, viu e mostrou como funcionava a indústria da doença, apenas não quis fazer uso desse conceito. Se a humanidade quiser erradicar, como já erradicou tantas doenças infecciosas, esse mar de doenças de etiologia desconhecida , como dizem os médicos, terá que deter o avanço da ditadura do açúcar. Minha contribuição nessa luta começa com este livro que pretende ser um instrumento dessa causa. Tenho certeza de que ele ajudará o povo brasileiro a viabilizar o movimento Açúcar zero.
Original em inglês: “Public Policy Pamphlets”
Prefácio da Edição Norte-Americana de 1975:
Este livro seria talvez diferente sob alguns aspectos se, ao escrevê-lo, eu tivesse
em vista sobretudo os leitores norte-americanos. No entanto, ele já conquistou nos
Estados Unidos uma posição por demais definida, embora inesperada, para que se torne
aconselhável revê-lo. Sua republicação sob nova forma tipográfica, contudo, mais
de dez anos após a primeira edição, talvez seja uma ocasião apropriada para explicar
seu objetivo original e para alguns comentários sobre o sucesso absolutamente imprevisto
e em muitos sentidos curioso que ele aqui obteve. O livro foi escrito na Inglaterra
durante a guerra e destinava-se quase exclusivamente ao público inglês. Na verdade,
dirigia-se sobretudo a uma classe muito especial de leitores britânicos. Não foi
de modo algum por zombaria que eu o dediquei “aos socialistas de todos os partidos”.
Teve sua origem nas numerosas discussões que, durante os dez anos anteriores, eu
tivera com amigos e colegas cujas simpatias inclinavam-se para a esquerda. Foi em
prosseguimento a essas discussões que escrevi O caminho da servidão. Quando Hitler
subiu ao poder na Alemanha, eu já ensinava havia vários anos na Universidade de Londres,
mantendo-me, porém, sempre em contato estreito com os assuntos do continente, o que tive
condições de fazer até o início da guerra...
Descrição:Flávio Josefo foi um escritor e historiador judeu que viveu entre 37 e 103 d.C. Seu pai era sacerdote, e sua mãe descendia da casa real hasmoneana. Portanto, Josefo era de sangue real. Ele foi muito bem instruído nas culturas judaica e grega. Tendo atravessado séculos até os nossos dias, a história do povo judeu, através do registro de Flávio Josefo, permanece como um fiel relato dos acontecimentos contidos nas Escrituras. Este livro traz a história de personagens dos Evangelhos e de Atos dos Apóstolos, tais como Pilatos, os Agripas e os Herodes, e inúmeros pormenores do mundo greco-romano. O autor aborda a história judaica, principalmente o período que marcou a segunda maior tragédia dos filhos de Abraão – a destruição do Santo Templo no ano 70 de nossa era. Além disso, o que se revela em ‘História dos Hebreus’ é a confirmação das promessas de Deus para o seu povo e o cumprimento de sua Palavra em todos os fatos registrados em suas páginas.
Descrição: Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios – Para George Orwell, nada substituía a experiência direta da vida. E foi com base na vivência pessoal e na observação crítica do mundo que ele escreveu ensaios, artigos e crônicas ao longo de toda a vida. Alguns dos mais representativos desses textos estão reunidos em Como morrem os pobres e outros ensaios. Na primeira seção do livro, por exemplo, estão os relatos e reflexões de Orwell sobre sua vivência pessoal como sem-teto, colhedor boia-fria de lúpulo, presidiário e paciente de um hospital público. Em outra parte enfeixam-se seus vigorosos artigos sobre o uso da linguagem verbal no romance, na poesia, na propaganda política e no jornalismo. A gama de interesses do escritor é inesgotável. Com a mesma verve e conhecimento de causa, ele fala sobre temas graves, como a hipocrisia intelectual, ao lado de assuntos mais leves e aparentemente até fúteis, como os trajes da elite britânica e o gosto do cidadão inglês por crimes sensacionalistas. De todos os tópicos, sejam grandes ou pequenos, Orwell extrai revelações sobre a estrutura da sociedade, as mudanças nos costumes, as transformações profundas operadas na Inglaterra e no mundo na primeira metade do século XX.
Trechos do livro: Ora, mendigar é proibido por lei na Inglaterra e muitos vagabundos conhecem as prisões de Sua Majestade por causa disso. É um círculo vicioso: se ele não mendiga, morre de fome; se mendiga, infringe a lei. A vida desses vagabundos é degradante e desmoralizadora. Em muito pouco tempo pode transformar um homem ativo em eterno desempregado e parasita. Além disso, é extremamente monótona. O único prazer deles é obter alguns xelins inesperados; isso lhes dá a chance de comer à farta por uma vez ou tomar uma bebedeira. ...Por fim, o vagabundo, que não cometeu nenhum crime e que, no fim das contas, não passa de uma vítima do desemprego, está condenado a levar uma vida mais miserável que a do pior criminoso. Ele é um escravo com uma aparência de liberdade que é pior do que a mais cruel escravidão. Ao refletirmos sobre seu destino miserável, que é compartilhado por milhares de homens na Inglaterra, a conclusão óbvia é que a sociedade o trataria melhor se o trancasse pelo resto de seus dias na prisão, onde ao menos ele desfrutaria de um relativo conforto...
...“Eles têm de fazer isso”, disse ele. “Se tornarem esses lugares confortáveis demais, toda a escória do país virá para cá. É somente a comida ruim que mantém essa escória longe. Esses mendigos são preguiçosos demais para trabalhar, esse é o problema deles. Você não vai querer encorajá-los. São uma escória.” Apresentei argumentos para provar que ele estava errado, mas ele não me deu ouvidos. Continuava repetindo: “Não me diga que você tem piedade desses vagabundos — escória, isso é o que eles são. Não se pode julgá-los pelos mesmos padrões de homens como você e eu. Eles são escória, só escória...”
(2/9/1931 a 19/9/1931 ...Os lúpulos são trepadeiras presas em estacas ou em arames de cerca de três metros de altura e plantados em fileiras com um ou dois metros de distância entre elas. Tudo o que os colhedores têm de fazer é derrubar a planta, debulhar os lúpulos e colocá-los numa espécie de cuba, com o mínimo possível de folhas. Na prática, evidentemente, é impossível deixar todas as folhas de fora, e os apanhadores experientes engordam a carga de seus lúpulos pondo o máximo de folhas que o fazendeiro aguentar. Logo se pega o jeito do trabalho, e as únicas dificuldades são ficar de pé (em geral, fica-se de pé dez horas por dia), as pragas dos piolhos da planta e o dano causado às mãos...
...No ano de 1929, passei várias semanas no Hospital X, no 15 Arrondissement de Paris. ... Primeiro, o médico tirou de sua pasta preta uma dezena de copos pequenos, parecidos com os de vinho, depois o estudante acendeu um fósforo dentro de cada copo para exaurir o ar, então o copo foi aplicado nas costas ou no peito do homem e o vácuo provocou uma enorme bolha amarela. Somente depois de alguns instantes foi que me dei conta do que estavam fazendo. Era uma sangria por ventosa, um tratamento sobre o qual se pode ler em manuais antigos de medicina, mas que até então eu tinha a vaga impressão de que era uma daquelas coisas que fazem com cavalos.
...De minha parte, eu que estava com um excepcionalmente belo espécime de chocalho bronquial, tinha às vezes até uma dúzia de estudantes fazendo fila para escutar meu peito. Era uma sensação muito esquisita — esquisita porque ao lado do interesse deles em aprender a profissão havia uma aparente falta de qualquer percepção de que os pacientes eram seres humanos. É estranho contar isso, mas às vezes, quando dava um passo à frente para assumir sua vez de manipulá-lo, o estudante estava trêmulo de excitação, como um menino que consegue pôr as mãos em alguma máquina cara. E então, ouvido após ouvido — orelhas de rapazes, de moças, de negros — pressionado contra suas costas, revezamentos de dedos batendo solenes, mas desajeitadamente, e de nenhum deles a gente obtinha uma palavra de conversa ou um olhar direto no rosto. Na qualidade de paciente não pagante, no uniforme de camisão, a gente era sobretudo um espécime, uma coisa da qual não me ressentia, mas com a qual nunca me acostumei muito bem.
(pág.56)...Mas, acima de tudo, eu estava interessado em descobrir uma crença persistente em velhas histórias que agora quase desapareceram da memória na Inglaterra — histórias, por exemplo, sobre médicos que abrem a gente por pura curiosidade ou pensam que é divertido começar a operar antes que se esteja devidamente “apagado”. Corriam histórias sinistras sobre uma pequena sala de cirurgia que diziam ficar logo depois do banheiro. Dizia-se que saíam gritos horríveis daquela sala. Não vi nada que confirmasse essas histórias e, sem dúvida, eram todas disparates, embora eu tenha efetivamente visto dois estudantes matarem um rapaz de dezesseis anos, ou quase matá-lo (ele parecia estar morrendo quando saí do hospital, mas talvez tenha se recuperado depois) com um experimento nocivo que não teriam tentado com um paciente pagante. Uma crença ainda viva na memória londrina dá conta de que em alguns dos grandes hospitais pacientes eram mortos para serem usados como objeto de dissecação. Não ouvi essa história ser repetida no Hôpital X, mas penso que alguns homens que estavam lá a julgariam plausível, pois era um hospital no qual, não os métodos, talvez, mas alguma coisa da atmosfera do século conseguira sobreviver, e nisso estava seu interesse peculiar.
Descrição: Uma das obras mais contundentes e influentes do século XX ganha nova e definitiva edição com projeto especial e ampla fortuna crítica. Romance incontornável, 1984 continua sendo o livro ao qual nos voltamos sempre que se mutila a verdade, distorce-se a linguagem e viola-se o poder. Nesta nova edição, a obra-prima de George Orwell ganha projeto gráfico especialíssimo ― com capa em tecido, corte impresso e uma série de obras da artista brasileira Regina Silveira. O leitor conta também com apresentação do crítico Marcelo Pen e textos de gigantes como Golo Mann, Irving Howe, Raymond Williams, Thomas Pynchon, Homi K. Bhabha, Martha C. Nussbaum, Bernard Crick e George Packer ― ensaios que dão conta da história da recepção crítica do livro desde o ano de seu lançamento, 1949, até hoje, setenta anos depois. Com dezenas de milhões de cópias vendidas em todo o mundo, o romance de Orwell tem como herói o angustiado Winston Smith, refém de um mundo feito de opressão absoluta. Em Oceânia, ter uma mente livre é considerado crime gravíssimo. Numa trama em que os “fatos alternativos” estão por toda parte e a mentira foi institucionalizada, Winston se rebela contra a sociedade totalitária na qual vive; em seu anseio por verdade e liberdade, ele arrisca a vida ao se envolver amorosamente com uma colega de trabalho, Júlia, e com uma organização revolucionária secreta. Normalmente lido como uma distopia, 1984 é também uma sátira, uma profecia, um grito de alerta, um thriller de espionagem, uma extraordinária ficção científica, um terror psicológico, um romance pós-moderno e uma história de amor.
Descrição: No final do anos 20, decidido a tornar-se escritor, o jovem Eric Arthur Blair resolveu viver uma experiência pioneira e radical: submeter-se à pobreza extrema – e depois narrá-la. Em 1928, instalou-se em Paris com algumas economias e começou a dar aulas de inglês – mas em pouco tempo perdeu os alunos e foi roubado. Sem dinheiro, passou fome, penhorou as próprias roupas, trabalhou em restaurantes sórdidos e por fim partiu para a Inglaterra. Enquanto esperava por um emprego incerto, radicalizou ainda mais sua experiência convivendo intensamente com os mendigos de Londres, perambulando de albergue em albergue, atrás de dormida, comida e tabaco. É essa vivência miserável que Orwell relata com humor e indignação, distanciamento e participação. Recusado por várias editoras inglesas, o livro só foi publicado em 1933, trazendo, pela primeira vez, o pseudônimo que consagraria um dos maiores escritores do século XX. Com posfácio de Sérgio Augusto.
Trechos do Livro: (pág. 7) Meu hotel se chamava Hôtel des Trois Moineaux. Um pardieiro escuro e inseguro de cinco andares, com quarenta quartos separados por divisórias de madeira. Eram quartos pequenos e cronicamente sujos, pois não havia criadas, e Madame F., a patronne, não tinha tempo para limpar nada. As paredes eram finas como caixas de fósforos e, para esconder as rachaduras, haviam sido recobertas por camadas e mais camadas depapel cor-de-rosa, que se soltava e abrigava incontáveis percevejos. Perto do teto, longas filas desses insetos marchavam o dia inteiro, como colunas de soldados, e à noite caíam sobre nós com um apetite devastador, de tal modo que precisávamos levantar de tempos em tempos e matá-los aos magotes. Às vezes, quando os percevejos eram demais, os hóspedes costumavam queimar enxofre e espantá-los para o quarto ao lado; então, o inquilino vizinho revidava, enxofrava o seu quarto e mandava os percevejos de volta. Havia tipos excêntricos no hotel. Os bairros pobres de Paris são ponto de encontro de pessoas excêntricas — gente que caiu em trilhas solitárias e meio malucas da vida e desistiu de tentar ser normal ou decente. A pobreza as liberta dos padrões usuais de comportamento, assim como o dinheiro liberta as pessoas do trabalho. Alguns hóspedes de nosso hotel levavam vidas indescritivelmente curiosas. ...Os Rougier faturavam uns cem francos por semana e, com uma economia rígida, conseguiam estar sempre meio famintos e meio bêbados. A imundície do quarto deles era de tal ordem que se sentia o mau cheiro no andar de baixo. De acordo com Madame F., fazia quatro anos que eles não tiravam suas roupas.
...A peculiaridade de Henri era não falar por dias a fio, exceto por motivos de trabalho. Havia apenas um ano, tinha um bom emprego de motorista e vinha guardando dinheiro. Um dia, apaixonou-se e quando se viu rejeitado pela garota perdeu o controle e deu-lhe um chute. Ao levar o pontapé, a garota se apaixonou desesperadamente por Henri e, por quinze dias, viveram juntos e gastaram mil francos das economias dele. Então, a garota foi infiel; Henri enfiou-lhe uma faca no braço e foi parar na prisão por seis meses. Assim que foi esfaqueada, a garota ficou mais apaixonada que nunca, os dois fizeram as pazes e resolveram que, quando saísse da cadeia, Henri compraria um táxi,eles se casariam e iriam morar juntos. Mas, quinze dias depois, a garota foi infiel de novo, e quando Henri saiu da prisão ela estava grávida. Henri não a esfaqueou novamente. Tirou todo o dinheiro da poupança, desandou a beber e acabou na cadeia por mais um mês. Depois disso, foi trabalhar nos esgotos. Nada o fazia falar. Se lhe perguntavam por que trabalhava nos esgotos, não respondia, apenas cruzava os pulsos, para dizer algemas, e apontava com a cabeça na direção da prisão. A má sorte parecia tê-lo deixado abobado em um único dia.
...tento descrever as pessoas de nosso bairro não por mera curiosidade, mas porque fazem parte dessa história. A pobreza é o meu tema, e foi nesse bairro miserável que tive meu primeiro contato com ela. O bairro pobre, com sua imundície e suas vidas bizarras, foi minha primeira lição prática de pobreza e, depois, o pano de fundo de minhas experiências. É por esse motivo que tento dar uma ideia de como era a vida ali.
(pág. 11)...Na extremidade oposta havia uma enorme cama quadrada, com colchas também vermelhas, e sobre ela jazia uma garota, vestida com uma túnica de veludo vermelho. Ao me ver, ela se encolheu e tentou esconder os joelhos sob o vestido curto. “Eu havia parado à porta. ‘Venha aqui, minha franguinha’, chamei. “Ela deu um gemido de medo. De um salto, eu estava ao lado da cama; ela tentou me evitar, mas a agarrei pelo pescoço — assim, estão vendo? —, apertado! Ela se debateu, começou a pedir misericórdia, mas segurei firme, forçando sua cabeça para trás e olhando fixo em seu rosto. Tinha vinte anos, talvez; seu rosto era o rosto largo e apático de uma criança estúpida, mas estava recoberto com tinta e pó de arroz, e seus olhos azuis e estúpidos, que brilhavam sob a luz vermelha, tinham essa expressão chocada e distorcida que só se vê nos olhos dessas mulheres. Era uma camponesa, sem dúvida, que os pais haviam vendido como escrava. “Sem outra palavra, puxei-a da cama...
(pág. 13)...É muitíssimo curioso o primeiro contato com a pobreza. Você pensou tanto sobre ela — é uma coisa que você temeu a vida inteira, uma coisa que sabia que ia acontecer com você mais cedo ou mais tarde, e ainda assim é tudo tão completa e prosaicamente diferente. Você achava que iria ser bem simples; é extraordinariamente complicado. Você achava que ia ser terrível; é apenas imundo e chato. A primeira coisa que você descobre é a baixeza peculiar da pobreza, as mudanças que ela impõe, a complicada mesquinhez, o desnudamento de si mesmo. (pág. 15)...Você descobre o tédio, e as complicações mesquinhas e os primórdios da fome, mas descobre também o grande aspecto redentor da pobreza: o fato de que ela aniquila o futuro.
Descrição do livro: Impressionante relato das experiências de George Orwell no coração da classe trabalhadora das regiões carvoeiras do norte da Inglaterra nos anos 1930, O Caminho para Wigan Pier é também uma polêmica mordaz sobre a estrutura de classes no capitalismo.Neste livro, vemos o futuro e celebrado autor de clássicos universais já em plena florescência de seu projeto literário e existencial, que o levou a abandonar os privilégios de sua classe, a execrar qualquer forma de imperialismo e a mergulhar de corpo e alma na vida dos trabalhadores pobres e dos excluídos sociais.
(pág. 10)...Segundo as descrições de todos os que os viram, não há seres humanos mais inofensivos e encantadores que os índios do Brasil, e bruscamente nos é dito que eles foram levados quase à extinção. A tragédia dos índios nos Estados Unidos no século passado está se -repetindo, mas num período de tempo muito menor. .. Relatórios oficiais dão conta de pioneiros associados a políticos corruptos que roubaram terras dos índios, destruíram tribos inteiras ... com a utilização de guerra bacteriológica, por meio de roupas contaminadas com o vírus da varíola e comida envenenada. Crianças foram sequestradas, e os massacres ficaram impunes. O próprio governo foi em parte responsabilizado pelos parcos recursos dados ao Serviço de Proteção ao Índio ao longo de trinta anos. O serviço ainda é responsável pelo "desastroso impacto da atividade missionária".
(pág. 17)... Existe uma sutileza sobre o tempo que pode nos deixar tristes e é difícil de acreditar que dezoito anos se passaram desde o início desta jornada de descobertas, e mais difícil ainda crer que terminou. Em 1976, os autores viajaram à Amazônia em uma busca da verdade por trás de alegações da imprensa latino-americana de que membros dos Tradutores da Bíblia Wycliffe, conhecidos no exterior como Instituto Summer de Lingüística, corporações americanas e a Agência Central de Inteligência (CIA) estavam envolvidos na destruição da vida e da cultura indígenas nos países da bacia do Amazonas. As acusações estavam disseminadas e não podiam ser ignoradas devido à natureza das revelações sobre abusos de autoridade da CIA, incluindo conspirações para assassinatos, experiências forçadas de controle da mente e uso de missionários como fonte de informações. Haveria alguma verdade sobre o envolvimento americano em crime tão sério como genocídio ou em seu encobrimento? E se havia, por quê? A viagem de pesquisas à Amazônia deveria durar seis semanas, mas acabou consumindo seis meses, envolvendo 170 entrevistas em oito países, incluindo visitas a bases do Wycliffe em cinco países da bacia amazônica: Equador, Peru, Bolívia, Brasil e Colômbia. Nos anos seguintes, a pesquisa também nos levou através dos Estados Unidos, particularmente o Sul e o Sudoeste, e partes da Europa e Sul da África, bem como diversas outras viagens à América Latina. Depois de perceber que a história era muito mais complexa e rica em temas do que pensávamos originalmente, devolvemos nosso adiantamento sobre os direitos autorais para a editora com o objetivo de evitar uma publicação apressada.
(pág. 22)... Tentar sensibilizar outras pessoas sobre crimes contra humanidade não é uma tarefa fácil, especialmente quando estes crimes ocorrem em terras distantes e nomes poderosos do próprio país são levantados. No Brasil, documentos que poderiam ter sido úteis na identificação dos responsáveis por crimes sérios contra os povos indígenas desapareceram num incêndio misterioso nos arquivos ~o Serviço de Proteção ao Índio. Felizmente, relatórios de antropólogos e circunstâncias políticas pouco comuns permitiram que o procurador-geral do Brasil conduzisse sua própria investigação. Mas a conquista da Amazônia não é apenas sobre a Amazônia brasileira. A bacia do rio Amazonas, incluindo seus poderosos afluentes, também abrange boa parte do Peru, Equador, Bolívia, Colômbia e p arte da Venezuela, uma área do tamanho dos Estados Unidos. Nem a conquista é sobre atrocidades. Relatórios de antropólogos e funcionários do governo geralmente descrevem genocídios e etnocídios como um processo cruel desnecessário no desenvolvimento da fronteira. No fim de nossa investigação, tínhamos constatado que este processo tem similaridades marcantes com a conquista do Oeste americano e envolvia algumas das mesmas e poderosas forças políticas e econômicas americanas. Nos países da bacia amazônica, a conquista seguiu a tendência geral de exploração de petróleo, borracha e minerais, construção de estradas e pistas de pouso, apoio a pesquisas visando à colonização, expansão da agricultura comercial (em detrimento da agricultura de subsistência dos indígenas), devastação da floresta tropical e competição dos EUA com outras grandes potências por esferas geopolíticas de influência. Tudo isso assistido por um sistema de ajuda gradualmente montado ao longo de trinta anos por Nelson Rockefeller, começando como coordenador de Assuntos Americanos de Roosevelt, durante a Segunda Guerra Mundial, e a seguir como arqiµteto de ajuda externa de Truman. Os missionários entraram no lado político, cultural e social da conquista, sen- do seu líder influenciado pela filantropia de Rockefeller, e uma rede de contra- insurreição que atendia aos objetivos desenvolvimentistas de Nelson Rockefeller. O Instituto Summer de Lingüística (SIL) foi contratado por ditaduras militares e governos civis, geralmente liderados por aliados de Nelson, para pacificar as tribos e integrá-las a economias nacionais cada vez mais sintonizadas com o mercado americano. O SIL usou a Bíblia para ensinar os povos indígenas a "obedecer ao governo, porque toda autoridade vem de Deus". Na nossa pesquisa descobrimos que os contestadores desse pressuposto e do legado deixado por Rockefeller e Townsend geralmente pagavam o preço do repúdio recebendo críticas, rejeição e um silêncio ensurdecedor. Lembramos particularmente o falecido Michael Lambert, um ex-etnobotânico formado pela Universidade de Harvard que fez pesquisa de campo na Amazônia. Ele será lembrado por sua calma e determinação de chamar a atenção de seus colegas de Harvard para o genocídio dos índios da Amazônia. Ele descreveu sua experiência como dolorosa. Ninguém, no entanto, sofreu mais do que os povos indígenas. Desvendar os segredos levou muitos anos para nós, mas, em última análise, para eles. Se este livro tomar futuras investigações mais fáceis e mais criteriosas, então terá servido aos seus propósitos.
(pág. 25)... O silêncio escuro e confortante do confessionário rompeu-se quando a pequena porta corrediça bateu ao ser aberta, espalhando a luz através de uma pequena tela. "Sim, meu filho?", encorajou o sacerdote quando a voz masculina, sussurrante, balbuciou. Então, das sombras,jorrou uma torrente de crimes tão esmagadora que o voto de silêncio do padre Edgar Smith tremeu até as fundações jesuítas. Assassinatos, o homem explicou, assassinatos em massa tinham sido cometidos e ele, Ataíde Pereira, tomara parte. Não podia mais viver com a consciência. Além disso, não lhe pagaram os quinze dólares prometidos. As vítimas eram cintas-largas, uma pequena tribo indígena da Amazônia brasileira. Batizados numa alusão aos largos cintos de casca de árvore que eram sua única vestimenta, este grupo de mais ou menos quatrocentas almas vivera durante séculos ao longo do rio Aripuanã, caçando e pescando com flechas embebidas em curare, resistindo com sucesso a todos os intrusos. Mas agora, empresas brasileiras e estrangeiras ambicionavam suas terras. Os índios estavam marcados para a remoção. Uma vez que a legislação brasileira protegia tecnicamente os índios como tutelados pelo Estado, só a violência sub-reptícia poderia ser usada. Era uma solução bastante comum. O supervisor geral de uma empresa local de borracha, Francisco de Brito, já ostentava o título de Assassino Campeão de índios, por levar qualquer índio capturado para uma "visita ao dentista": a vítima era forçada a "abrir bem" e levava um tiro de pistola na boca. Um bando de cintas-largas escapara da solução final se internando bem dentro da floresta. Felizmente para Brito, encontrou-se um homem que conhecia o suficiente da cultura dos cintas-largas para saber o dia preciso em que a maioria do povo desta aldeia deveria se reunir. A ocasião seria traiçoeiramente festiva: a reunião anual de famílias. Os índios se agrupariam no centro da aldeia para rezar, celebrar e consultar os espíritos dos ancestrais, representados por dançarinos mascarados. Brito concluiu que a cerimônia seria o alvo perfeito para um bombardeio aéreo. Contratou um piloto e um Cessna comercial que sobrevoou a aldeia no dia sagrado, jogando açúcar na primeira passada e dinamite na segunda. Para caçar os sobreviventes, Brito virou-se para seu capanga, Chico, um homem muito afeiçoado ao facão. Pereira era um dos recrutas de Chico. "Subimos de lancha o rio Juruena", disse Pereira.
(pág. 25)...Havia seis de nós, homens experientes, comandados por Chico, que costumava apontar a metralhadora em nossa direção sempre que dava uma ordem. Levamos uns bons dias corrente acima na serra do Norte. Depois disso, nos perdemos no mato, embora Chico tivesse trazido uma bússola japonesa. Por fim, um avião nos encontrou. Foi o mesmo avião usado para o massacre dos índios e eles nos jogaram algumas provisões e munições. Depois disso, seguimos durante cinco dias e ficamos sem comida outra vez. Atravessamos uma aldeia indígena que tinha sido arrasada( ... ) colhemos um pouco da mandioca dos indígenas para nos alimentar e pescamos alguns peixes pequenos. Àquela altura, estávamos enfastiados e vários de nós queriam voltar, mas Chico disse que mataria qualquer um que tentasse desertar. Foram mais cinco dias depois disso antes que víssemos uma fumaça. Mesmo assim, os cintas-largas estavam a dias de distância. Estávamos com bastante medo uns dos outros. Neste tipo de lugar, as pessoas atiram umas nas outras e são alvejadas, pode-se dizer, sem saber a razão. Quando abrem um buraco em você, eles têm mania de enfiar uma flecha na ferida, para colocar a culpa nos índios. Os homens abriram caminho através da selva, lutando contra hordas de insetos, agüentando o calor e os temporais. "Fomos escolhidos a dedo para a tarefa, tão quietos quanto qualquer grupo de índios quando se tratava de esgueirar-se por baixo e-por fora das árvores. "Quando chegamos ao território dos cintas-largas, não houve mais fogueiras nem conversas. Assim que avistamos a aldeia, acampamos para passar a noite. Levantamos antes do amanhecer, depois nos arrastamos metro a metro através dos arbustos até ficarem ao nosso alcance. Depois disso, esperamos o sol surgir." O clamor da noite na selva aquietou-se com o amanhecer. Um indígena pequeno, de uns cinco anos, acabara de sair para ver os mais velhos trabalharem nas novas cabanas que estavam construindo, quando uma barragem assassina de balas caiu sobre a aldeia, derrubando os homens onde se encontravam. Brancos armados apareceram entre as cabanas, disparando as armas indiscriminadamente, até que só sobraram o garoto e uma jovem índia (para quem ele correra em busca de proteção). A criança horrorizada estava "se esgoelando". Pereira tentou deter Chico quando ele andou na direção da criança, mas Chico lhe deu um safanão. Chico varou a cabeça da criança com um tiro. Pereira pediu pela vida da garota, lembrando a Chico que·Brito gostava de prostituir jovens índias e invocando o apetite sexual do próprio grupo. Chico não se sensibilizou. Ele conseguia satisfação sexual através da violência. "A gente pensou que ele tinha ficado maluco", contou Pereira, e ficamos muito assustados. Ele amarrou a garota índia de cabeça para baixo numa árvore, as pernas separadas, e a rasgou ao meio com o facão. Quase com um único golpe, eu diria. A aldeia parecia um matadouro. Ele se acalmou depois de cortar a mulher e nos disse para queimar as cabanas e jogar os corpos no rio. Depois disso, pegamos nossas coisas e retomamos o caminho de volta. Fomos em frente até o cair da noite, tomando cuidado para esconder nossas pegadas. ( ... ) Levamos seis semanas para encontrar os cintas-largas e uma semana para voltar.
(pág. 26)... Quando chegaram em Aripuanã, urna Dodge City tropical, traziam amostras de minério encontradas na área para entregar a Brito e "agradar à companhia". O padre Smith se conteve. Usando todos os poderes de absolvição ao seu alcance, ele convenceu Pereira a repetir a história diante de um gravador: "Gostaria de dizer agora que nada tenho pessoalmente contra os índios", alegou Pereira. Mas as terras indígenas eram ricas em ouro, diamantes e minerais raros. "O fato é que os índios estavam sentados sobre terras valiosas e nada faziam com elas. Eles têm uma maneira de achar a melhor terra para plantações e há também todos aqueles minerais valiosos por perto também. Eles têm de ser convencidos a partir e, se tudo mais fracassa, então resta a força...O padre Smith entregou a fita às autoridades locais, exigindo urna investigação, mas durante anos o massacre dos cintas-largas em 1963 foi abafado. Três promotores se retiraram do caso, alegando conflito de interesses. Somente em 1968, quando um clamor no Congresso sobre as vendas crescentes de terras da Amazônia para empresas estrangeiras estimulou revelações do ministro do Interior sobre o genocídio generalizado de índios, foi que o procurador-geral pressionou por um julgamento. O massacre dos cintas-largas não foi um caso isolado. Mais de 62 milhões de dólares em propriedades indígenas tinham sido roubados na década anterior e pelo menos mil crimes -variando de malversação a assassinato- foram colocados na soleira da porta da elogiada autarquia indígena governamental, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Uma comissão especial passara 58 dias viajando dezesseis quilômetros para fazer um levantamento das tribos indígenas, visitando mais de 130 postos. As evidências de genocídio eram esmagadoras. Vinte volumes de provas foram coletados, documentando a destruição de tribos inteiras. Ataques de estranhos usando de tudo, desde comida envenenada a roupas infectadas com varíola, resultaram na morte de dezenas de milhares de índios.
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(pág.116 )... O velho modelo britânico para operações coloniais fora um desastre. Se não fosse a dedicação de missionários americanos, professores e médicos como os da Fundação Rockefeller, um furacão de ódio antiamericano teria há muito se precipitado sobre a América Latina e a Standard Oil.
(pág. 116 )... Nelson Rockefeller nada tinha de ingênuo, e deixou isto claro em termos prá- ticos, falando do poder político. As leis podiam proteger uma grande empresa somente se as pessoas estivessem convencidas de que seu sucesso estava atendendo aos interesses delas. As leis, de uma maneira ou de outra, advertiu gravemente, podem e serão mudadas. "Devemos reconhecer as responsabilidades sociais das grandes empresas e estas devem usar seus bens para refletir os interesses do povo. Caso contrário, teremos nossa propriedade confiscada."
(pág.117 )...Cárdenas se viu imprensado entre a beligerância das empresas e a ameaça de instabilidade política. A menos que houvesse obediência à lei e algumas conces- sões, o presidente teria que agir e correr o risco de uma intervenção armada ame- ricana. Cárdenas tinha uma clara empatia com os petroleiros. Como jovem oficial do Exército estacionado em Tampico, ele conhecera in loco os baixos salários, as doenças e as perigosas condições em que os trabalhadores viviam. Suas palavras encontraram ouvidos solidários.
(pág. 121)... O embaixador Daniels fez o possível para aumentar o prestígio de Townsend junto ao Departamento de Estado. Mandou um relatório reluzente sobre os "planos do grupo de Townsend para um trabalho educativo entre as tribos primitivas do México" que foi lido no Departamento de Assuntos Índios. Também arranjou uma crítica elogiosa do SIL no American Foreign Service Journal. Sem se assustar com a hostilidade do Departamento de Estado em relação a Cárdenas, Cam recrutou sete jovens para uma Brigada de Serviço lnteramericana e repetidamente perseguiu este conceito de brigada nos dois anos seguintes. A idéia iria cair no esquecimento em Washington por duas décadas até que seu espírito reencarnou nos Corpos da Paz.
(pág. 124)...Nelson percebeu em 1939 que o tempo estava se esgotando na Venezuela. Ali estava ele, argumentando com militantes comunistas nos campos petrolíferos da Creole e mesmo assim não conseguia fazer a hierarquia da Standard Oil em Nova York ouvi-lo. Se reformas não fossem iniciadas, e logo, aquilo que esses co- munistas estavam querendo - a eliminação da propriedade ianque sobre o pe- tróleo, como Cárdenas fizera no México - aconteceria na Venezuela. Durante semanas, Nelson circulara com uma cópia de O capital, de Marx, debaixo do braço. Ficou tão perturbado com a análise do capitalismo no livro que insistiu para que seus principais executivos o lessem.
(pág. 125)... "Depois de inspecionar suas vastas propriedades petrolífe- ras", Betancourt escreveu sobre Rockefeller,"( ... ) ele voltará para o escritório no topo do Rockefeller Center, para o abrigo quente de seu lar, para retomar suas responsabilidades como filantropo e mecenas das artes. Atrás dele ficará a Venezuela, produzindo 180 milhões de barris de petróleo para os Rockefeller. ( ... ) Para trás ficará a Venezuela com seu meio milhão de crianças sem escola, os traba- lhadores sem uma dieta adequada, os vinte mil petroleiros vivendo em casas ( ... ) melhor classificadas como 'grandes caixas de fósforos'."
(pág. 125)...A Creole de Nelson também deixou para trás uma espessa camada de petró- leo sobre a superfkie do lago Maracaibo. Em dezembro, pela segunda vez na- quela década, o refugo de petróleo pegou fogo; os barracos construídos sobre palafitas pelos trabalhadores explodiram em chamas, queimando vivas centenas de famílias. Townsend, então no México, ficou horrorizado. "A coisa em si foi ultrajan- te o suficiente, mas como era a segunda ocorrência de uma terrível catástrofe em uma década, chegou a ser criminosa. Se os homens, mulheres e crianças quei- mados até a morte fossem ingleses, holandeses ou americanos, um furor de pro- testo teria se levantado contra o descuido das empresas, mas eram 'apenas vene- zuelanos'", escreveu ele. Um furor se desencadeou na Venezuela, no entanto
(pág. 131)...Os índios das Américas haviam sido declarados aria- nos honorários pelos nazistas como parte da campanha de propaganda de Hitler entre a força de trabalho majoritária nos Andes e na América Central.
(pág.132)... Cárdenas prometeu "fazer conhecer a todos os países do mundo que os me- xicanos honrarão sua dívida externa" . 14 E assim foi feito. - Cheques de quatro dígitos foram emitidos por um povo que não era exa- tamente rico - informou Cárdenas aos irmãos fundamentalistas de seu país. - Os pobres vieram com seus pesos, alunos trouxeram moedas, as mulheres deram anéis, brincos, pulseiras, alfinetes de gravata e miudezas de valor. Os camponeses trouxeram galinhas, porcos ou vegetais ... Não pude deixar de pensar que os exe- cutivos das empresas de petróleo precisavam ver aqueles índios descalços colo- cando quantias modestas no fundo de redenção econômica. Mas a Standard Oil se recusara a aceitar indenização pela propriedade majo- ritária de seus bens mexicanos porque queria manter o controle. Cárdenas que- brara o embargo internacional da Standard contra o México vendendo petróleo diretamente a empresas japonesas.
(pág. 146)... A primeira vista, os programas pareciam apenas enfatizar a necessidade de manter laços culturais. Por trás desta preocupação, naturalmente, estavam os in- teresses empresariais. Nelson, que recebeu um orçamento inicial de 3,5 milhões de dólares, tinha gasto 140 milhões até 1944. Ele nunca teria conseguido aprova- ção para estes gastos se suas atividades fossem meramente culturais, como a maioria pensava. Escorando estas atividades estava uma agenda econômica oculta: arras- tar a América Latina para a matriz econômica dos programas de abastecimento de guerra executados por lideranças empresariais.
(pág. 148)...A Johnson & Johnson tinha grandes interesses na América Latina. Seus maiores concorrentes eram as empresas alemãs, especialmente a Bayer. Como a maior parte das empresas farmacêuticas, ela dependia do Amazonas para conse- guir as plantas usadas na fabricação de remédios. Também tinha duas fábricas na Argentina e no Brasil, administradas com precisão militar por um egresso de West Point com uma inclinação para a coleta de informações sigilosas, chamado John Caldwell "J.C." King. J ohnson estava preocupado com relatos sobre a crescente presença empresa- rial alemã na América Latina. Berlim, reconhecendo que a região seria uma fonte de matérias-primas só superada pela Europa meridional, tinha estimulado um enorme crescimento do comércio.
(pág. 156)...organizações, ambas sediadas na Califórnia, uma retendo o nome SIL e a Cons- tituição de 1937, a outra adotando integralmente a declaração doutrinária da Missão Interior da China e o nome Tradutores da Bíblia Wycliffe. As organiza- ções teriam os mesmos membros e direções interligadas, e também ofereceriam aos seus filiados e financiadores duas faces, uma virada para a Ciência, a outra para Deus. Havia mais uma vantagem óbvia desta identidade de Jano: a face religiosa, Wycliffe, podia ser dirigida para financiadores fundamentalistas nos Estados Unidos; a face científica, o SIL, agora oficialmente sancionada por uma grande universidade americana, poderia simultaneamente apelar a governos latino-ame- ricanos obrigados a conviver com poderosos bispos católicos.
(pág. 159)...Rockefeller acreditava em combater propaganda com propaganda. Arranjou urna proj~ção de The Road to Mayapan para o presidente Roosevelt na Casa :8ran- ca O filme mostrava os la,condón corno urna tribo perdida que construíra urna Cidade Perdida maia. Mayapan, no entanto, ficava na península de Yucatán, dis- tante ao norte e leste de Chiapas, e a cidade filmada na verdade eram as conheci- das ruínas de Tonalá, na costa do Pacífico, a leste das montanhas Sierra Madre e muito longe dos lacondón.
(pág. 161)...Por causa da opressão e da pobreza, os índios em geral eram suspeitos de ser suscetíveis tanto aos fascistas, à direita, quanto aos comunistas, à esquerda. 13 O CIAA observava que a "importância estratégica dos índios não tinha passado despercebida de amigos das forças do Eixo. Os tribunais alemães decretaram que os índios eram arianos. Propaganda antiamericana e antidemocrática endereçada aos ou contra os grupos indígenas estava disseminada.( ... ) A propaganda alemã entre os índios já resultou na sabotagem da produção de estanho na Bolívia e di- ficuldades similares podem ser esperadas em outras áreas."
(pág. 167)...A EXPEDICÃO DA BORRACHA No final de 1941, Berent Friele, o homem do CIAA no Brasil, recebeu uma carta do diretor agrícola brasileiro para a Amazônia. Era uma descrição extasiada das riquezas da Amazônia: petróleo nas nascentes do Juruá; borracha na cabeceira do rio Madeira, ao nor- te de Mato Grosso; ouro nas entranhas da fonnação de nossa arcada Amazôni- ca(, .. ) bem como nas ilhas virgens de Rondônia; fibras para têxteis brutos, da arcada às terras quaternárias do vale do Amazonas; carne de todos os tipos pode ser obtida pela transfonnação das florestas do baixo Amazonas em pastos sem- pre verdes; carvão nos canais pensilvanianos da Bacia Amazônica; alumínio, na forma de uma ilha, diante do Maranhão; óleos vegetais, peixes, plantas entorno- tóxicas por toda a região - tudo que pode representar a riqueza de um imenso império é mantido intacto esperando pelos elementos de homem e capital para ser transfonnado em utilidades para a civilização que hoje clama desesperada- mente por ação americana. 1 Não que Nelson precisasse ser seduzido. A vasta região amazônica chamara sua atenção em 1940. Com os exércitos japoneses alastrando-se nas plantações de borracha da Indochina francesa e da Malásia britânica, o presidente brasileiro164 SEJA FEITA A VOSSA VONTADE Getúlio Vclrgas viu uma oportunidade para ganhar divisas estrangeiras de que tanto necessitava revivendo a produção de borracha na selva amazônica. Mas quando ele visitou a Amazônia em outubro, sua visão para o desenvolvimento da região avançara muito além da borracha. "Não vim como um turista que encontra aqui tantas razões para ficar de
(pág. 167)...Getúlio Vclrgas viu uma oportunidade para ganhar divisas estrangeiras de que tanto necessitava revivendo a produção de borracha na selva amazônica. Mas quando ele visitou a Amazônia em outubro, sua visão para o desenvolvimento da região avançara muito além da borracha. "Não vim como um turista que encontra aqui tantas razões para ficar des- lumbrado e cativado", disse a uma platéia em Porto Velho, capital da borracha do vale do rio Madeira. "Vlffi com o objetivo de aprender as possibilidades práticas de colocar em ação um plano para a exploração sistemática das riquezas do gran- de vale e seu desenvolvimento." O plano de Vargas consistia de duas partes - saneamento e colonização-, e ele prometeu terras gratuitas e equipamentos agrí- colas aos colonos trazidos do empobrecido Nordeste brasileiro. Mas seu anúncio mais surpreendente foi que planejava "intensificar a exploração industrial" da Amazônia por empresas americanas; "para este fim, elas já estão chegando, graças a convites do governo a industriais interessados em cola- borar conosco no desenvolvimento da região amazônica, onde seu capital e recur- sos técnicos encontrarão uma aplicação lucrativa e constante".
(pág. 167)...Esta era uma nova direção para um líder que foi considerado simpatizante do fascismo. Vargas subiu ao poder em 1930 com uma aura de intenso nacionalismo, liderando um exército de gaúchos e desfrutando do apoio de teuto-brasileiros e fazendeiros descontentes, expulsos, pela depressão mundial, da economia de ex- portação de São Paulo. Uma vez no poder, o presidente Vargas lançou uma série de medidas drásti- cas que não apenas restauraram a economia brasileira, mas aumentaram a partici- pação alemã em seu crescimento. Após 1934, a Alemanha fez do Brasil seu prin- cipal parceiro comercial na América do Sul. 3 A Alemanha, que substituiu os Estados Unidos como principal fonte de co- mércio exterior, não estava sozinha.
(pág. 170)...Pouco depois de Pearl Harbor, Nelson autorizou o pedido do Departamento de Agricultura de uma verba especial de cem mil dólares para empregar espiões no programa de estocagem de materiais estratégicos e obter informações militares e navais. A autorização de espionagem era precisamente o que o governo Vargas temia. Desde que o CIAA ajudara na remoção da influência alemã nas linhas aéreas brasileiras, sua capacidade de coleta de informações e propaganda não era segredo. O povo brasileiro também se ressentira do contrabando britânico de sementes de borracha na virada do século para iniciar o cultivo das seringueiras nas colônias britânicas do Extremo Oriente. Estas ações tiveram um efeito Waterloo para as espécies selvagens brasileiras, desencadeando o declínio econômico da Amazônia. O Brasil, portanto, tentou confinar as atividades de Rockefeller ao fornecimento de técnicos que ficariam sob o controle brasileiro. Nelson, no entanto, não podia ser detido tão facilmente. Ele via a borracha apenas como uma cunha para penetrar na Amazônia.
(pág. 171)...Rockefeller queria mandar equipes de especialistas em agricultura, colonização tropical, doenças tropicais, transporte, nutrição e trabalho, bem como economistas, para estudar a "questão da proprie- dade da terra em vários estados da bacia amazônica", tudo sob a "orientação de um administrador de admiráveis qualificações". 13 Nelson já decidira quem seria este alguém tão especial: J.C. King, vice-presidente daJohnson & Johnson, en- carregado de operações no Brasil e na Argentina. Ele tinha, entre empresários dos dois países, a reputação de um homem capaz de tocar projetos difkeis. Mais importante para os objetivos de Rockefeller, ele também conhecia a Amazônia, fonte da maioria das plantas usadas no preparo de remédios. Seu trabalho o colo- cara na vanguarda da penetração americana do mercado sul-americano de remé- dios e do avanço da medicina ocidental para o interior da selva.
(pág. 173)...Nelson acreditava que tinha um trunfo: cem milhões de dólares em créditos americanos oferecidos ao Brasil. O magnata do algodão, Wtll Clayton, agora -.1cc- administrador da Agência Federal de Empréstimos, propôs que elson monta - se ele mesmo a Corporação do Vale do Amazonas e usasse os cinco milhões de dólares que podiam ser adiantados pela Corporação de Reservas de Borracha. Era um caso clássico de grandes empresários americanos pensando que o dinheiro podia comprar qualquer coisa. Mas, para os patriotas brasileiros do governo Vargas, a Amazônia brasileira - vista então como o futuro do país - não estava à venda. Nelson perdera a confiança deles. Enquanto Vargas estivesse no poder, ela nunca seria totalmente conquistada. O subsecretário de Estado Summer Welles então interferiu. Embora Nelson considerasse Welles seu mentor, o subsecretário não estava preparado para sacri-
(pág. 193)...Os lucros líquidos das grandes empresas no /)()()m 1940-45 chegou a 117 bi- lhões de dólares, um desconcertante aumento de 450% sobre os 26 bilhões gan- hos entre 1934 e 1939. 19 Mas um lado sombrio de toda essa prosperidade asso- mava além do dia em que fosse finalmente plantada no chão a última das qua- trocentas mil cruzes substituindo vidas americanas. P.u-adoxalmente, a prosperi- dade carregava a semente de sua própria destruição, pois sua forma corporativa exigia o mesmo nível de lucratividade tanto na paz quanto na guerra, para que os investidores privados não vendessem suas ações de modo a minimizar as perdas.
(pág. 194)...Os lucros líquidos das grandes empresas no /)()()m 1940-45 chegou a 117 bi- lhões de dólares, um desconcertante aumento de 450% sobre os 26 bilhões gan- hos entre 1934 e 1939. 19 Mas um lado sombrio de toda essa prosperidade asso- mava além do dia em que fosse finalmente plantada no chão a última das qua- trocentas mil cruzes substituindo vidas americanas. P.u-adoxalmente, a prosperi- dade carregava a semente de sua própria destruição, pois sua forma corporativa exigia o mesmo nível de lucratividade tanto na paz quanto na guerra, para que os investidores privados não vendessem suas ações de modo a minimizar as perdas.
(pág. 245)...O livro seria evidência do estreito relacionamento do SIL com um dos mais fortes pilares da aliança militar entre os Estados Unidos e a América Latina durante a guerra. De fato, ele logo a usaria como cartão de visitas para o chefe da OEA, Lleras Camargo, o presidente do Equador, Galo Plaza, e até mesmo para o presidente das Filipinas patrocinado pela CIA. O livro também iria, por seu tom, demonstrar a simpatia de Cam pelas aspirações nacionalistas do Terceiro Mundo, o que seria necessário para refutar acusações de ser a vanguarda cultural do imperialismo americano.
(pág. 250)... David, em 1948, era vice-presidente sênior do Chase National Bank. Por in- sistência de Nelson, especializara-se em América Latina e viajou com ele para ver em primeira mão as oportunidades que, o irmão lhe assegurava, estavam lá para ser agarradas. Ele então copvenceu o tio, Wmthrop Aldrich, presidente do Chase National, a fundar um Departamento de América Latina tendo ele à frente. David fundou o LatinAmerica Business Highlights, publicação quadrimestral sobre as alegrias das finanças latino-americanas, e realizou uma agressiva campanha de abertura de subsidiárias na América Latina. "Infelizmente a tendência ao nacionalismo e tudo que isso implica está em ascensão na América Latina", escreveu David ao tio Wmthrop depois de voltar de sua primeira viagem à região com Nelson, em 1948.
(pág. 251)... Em 1946, Nelson convencera os irmãos a patrocinar uma série de estudos para detectar com precisão quais países da América Latina, Sudeste Asiático, Oriente Médio e África poderiam se tornar brandos em relação ao comunismo ou se tornar alvos de subversão da suposta248 SEJA FEITA A VOSSA VONTADE conspiração mundial comunista. Dois países latino-americanos foram seleciona- dos para receber tratamento especial: Brasil, por causa do tamanho e influência sobre todo o continente sul-americano e sua enorme riqueza potencial, e a Venezuela, que "particularmente interessava aos Rockefeller por sua experiência prévia e propriedades petrolíferas no país". 3 Nelson convenceu os irmãos, Babs e até Junior a ajudá-lo a fundar a Associação Americana Internacional para o Desenvolvimento Social e Econômico (AIA).
(pág. 252)...Nelson facilmente concordou que a contenção tornava a Guerra Fria necessária, mas, para ele, a condução bem-sucedida desta guerra exi- gia mais do que annamentos para a contenção militar. Era fundamental conten- ção ideológica e ajuda externa para a promoção do capitalismo nos países em de- senvolvimento. E ninguém poderia demonstrar isso melhor do que ele mesmo, dados os enonnes recursos à disposição dos Rockefeller. Alguns nacionalistas brasileiros discordaram. Ao ouvir que os Rockefeller estavam interessados em projetos de desenvolvimento no seu país, expressaram um amargo ressentimento sobre o esforço renovado da Standard Oil em contro- lar o refino do petróleo brasileiro. Nelson foi estigmatizado como um "manipulador que pressiona o Brasil pela entrega de seu ouro negro". 7 Os brasileiros subestimaram Nelson. Ele estava interessado em mais do que o petróleo. Queria o destino deles.
(pág. 253)...Nelson decidiu tratar do problema fazendo com que a pro- dução rural nas pequenas propriedades de Minas funcionasse.250 SEJA fEIU A VOSSA VONTADE Minas Gerais era um centro minerador desde o final do século XVII, quando os portugueses começaram a extrair ouro usando mão-de-obra escrava africa- na. O estado tinha depósitos conhecidos de calcário, berilo, zinco, prata, chum- bo, fluorita, titânio, enxofre, potássio, sal-gema e molibdeno. Mais importante, tinha ferro, extraído pela estatal Companhia Vale do Rio Doce, e manganês, a liga usada para endurecer o aço, extraída e exportada para os Estados Unidos pela Bethlehem Steel, a maior construtora de navios de guerra americanos. Com o crescimento econômico, e mesmo antes do boom dos anos 1920, os governantes decidiram construir no interior uma nova capital, que se desenvolveria em ritmo acelerado graças à metalurgia. Localizada 824 metros acima do nível do mar, a cidade foi chamada de Belo Horizonte. Símbolo de uma nova era de mineração e conquista do interior, a construção da cidade foi um ensaio geral para a cria- ção, mais tarde, da nova capital nacional, Brasília. Havia índios em Minas Gerais, naturalmente. Os botocudos chamavam as florestas entre o vale do rio Doce e o rio Jequitinhonha de seu lar. A maior parte deles foi assassinada, os sobreviventes pacificados pelo Serviço de Proteção ao Índio de Rondon entre 1911 e 1914 e reassentados em postos do SPI no estado, onde rapidamente se desiludiram e sumiram nas sepulturas. Os caiapós viviam ao lon- go da fronteira com São Paulo. Pacificados e integrados à sociedade brasileira, hoje também estão praticamente extintos. Só restaram os maxakalis, cerca de du- zentos sobreviventes em luta pacífica para preservar sua cultura.
(pág. 253)...Havia índios em Minas Gerais, naturalmente. Os botocudos chamavam as florestas entre o vale do rio Doce e o rio Jequitinhonha de seu lar. A maior parte deles foi assassinada, os sobreviventes pacificados pelo Serviço de Proteção ao Índio de Rondon entre 1911 e 1914 e reassentados em postos do SPI no estado, onde rapidamente se desiludiram e sumiram nas sepulturas. Os caiapós viviam ao lon- go da fronteira com São Paulo. Pacificados e integrados à sociedade brasileira, hoje também estão praticamente extintos. Só restaram os maxakalis, cerca de du- zentos sobreviventes em luta pacífica para preservar sua cultura. Minas Gerais foi um bom exemplo de que a maioria dos índios extintos no século XX não foram vítimas de colonos europeus.
(pág. 260)... Depois que Seul caiu, ninguém queria ouvir Nelson Rockefeller falar so- bre ajuda para a América Latina- nem os congressistas, nem o presidente, nem a imprensa e, portanto, n~m o povo americano. Nelson ficou desanimado. E assim teria ficado se não fosse a interferência dos latino-americanos a seu fãvor da maneira mais chocante.
(pág. 264)...Collazo tinha sido eleito presidente do diretório de Nova York do Partido Nacionalista quando, em abril de 1950, com a crise coreana se agravando, chegou uma mensagem urgente do QG nacionalista em San Juan. O secretário da Defe- sa acabara de visitar os comandantes da base americana. Segundo os nacionalis- tas, o secretário instruiu os comandantes para que insistissem junto ao governa- dor Muftoz Marín para que reprimisse o Partido Nacionalista e prendesse seusARQUIJEJOS DO IMPhlO 261 líderes ou, se isto fosse politicamente inviável, que os assassinasse. Verdade ou não, Collazo achou a possiblidade bem real. Os riscos imediatos eram altos para os EUA na Coréia, com vidas americanas - e objetivos na Ásia - em risco. Tropas latino-americanas seriam necessárias e a resistência em Porto Rico não era um bom exemplo para a aliança hemisférica. Nos seis meses seguintes, a tensão aumentou de maneira constante na ilha.
(pág. 268)...Os Rockefeller não se dispunham a ser forçados a sair do partido de seus antepassados por ultradireitistas. O GOP ainda era o partido do establishment do Leste e os Rockefeller eram agora a Primeira Familia deste establishment. A atua- ção pioneira do Chase National Bank na Alemanha do pós-guerra e o controle da Standard Oil sobre a maior parte do petróleo do Oriente Médio tinham colocado os Rockefeller no cerne financeiro e industrial da reconstrução européia. O do- mínio deles sobre as finanças transatlânticas - com tudo que isso implicava numa política exterior baseada no Atlântico - era inatacável.
(pág. 306)... Não demorou para que AdolfBerle concordasse em participar da direção da Sociedade para a Investigação da Ecologia Humana, uma fundação que a CIA criou como fachada para o MKULTRA. "Estou com medo", escreveu Berle em seu diário. "Se os cientistas fizerem o que planejaram, o homem se tornará uma formiga manipulável...Mas não creio que isso vá acontecer. " 29 Havia eminentes médicos e cientistas na sociedade. Mas, por trás dos rela- tórios estéreis dos pesquisadores, estava a violência. Sem saber que eram ratos de laboratório da CIA, pacientes recebiam um "coquetel para dormir" de 100mg de Thorazine, 100mg de Nembutal, 100mg de Seconal, 150mg de Verona! e 10mg de Fe_nergan e depois eram submetidos a eletrochoques de 150 volts por períodos vinte a noventa vezes mais longos que os normalmente utilizados por médicos, duas ou três vezes ao dia por quinze ou trinta dias e, às vezes, até por 6S dias. 30 A CIA estava interessada em criar uma mente em branco que pudes- se ser reprogramada. A Fundação Rockefeller financiou a pesquisa de privação sensorial.
(pág. 307)... Em maio de 19S5, a CIA recebeu a proposta surpreendente de "financiar uma pesquisa envolvendo guerra química e biológica clandestina". 32 O dr. Charles Geschickter pediu à CIA para contribuir com 37 S mil dólares para a construção de um prédio especial para a pesquisa do câncer no Hospital da Universidade de Georgetown. Ele prometeu uma espécie de hospital-esconderijo, com um sexto dos leitos dedicados à CIA, disfarces para três cientistas da CIA e "pacientes humanos e voluntários para uso experimental", incluindo retardados em estado avançado e doentes terminais de câncer. Allen Dulles aprovou, mas o dinheiro da CIA, passado através de canais pri- vados, permitiria que Geschickter conseguisse quantia semelhante dos cofres do304 SEJA fEITA A VOSSA VONTADE HEW para a construção do hospital. Este uso de fundações privadas para repas- sar dinheiro do governo (CIA), de maneira a que exigências de fundos corres- pondentes do HEW pudessem ser atendidas, significava uma fraude deliberada contra pelo menos um outro departamento executivo do governo (HEW}, e pro- vavelmente também contra a Receita Federal, do Departamento do Tesouro. Dulles decidiu se cercar e conseguir aprovação de cima. Ele conhecia a pessoa certa. Nelson Rockefeller, como presidente do grupo Especial, ouviu com atenção Dulles expor o caso para o hospital do MKULTRA. Sua única pergunta foi se Geschickter oferecia uma "expectativa razoável" de que os cientistas da CIA te- riam o espaço prometido. Diante da garantia de Dulles, Nelson aprovou. 33 Du- rante o período em que Nelson esteve à frente do Grupo Especial, a CIA também procurou meios de programar assassinos. A CIA descobriu que um homem po- deria "ser sub-repticiamente drogado através de um coquetel alcoólico numa fes- ta social( ... ) e induzido a cometer a tentativa de assassinato" de um funcionário de um governo no qual era "bem estabeleddo social e politicamente". 34 O oficial da CIA encarregado da segurança para a operação era Sheffield Edwards. 35 Edwards mais tarde trabalhou sob as ordens de Edward Lansdale na Operação Moongoose, a tentativa de assassinato de Fidel Castro, de Cuba.
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(pág. 308)...Em 19 5 5, a fundação nomeou novos diretores para cinco dePROFETAS DO JUIZO FINAL seus seis programas: Saúde Pública, Ciências Sociais, Ciências Agrícolas, Ciên- cia Médica e Ciência Natural. Só Ciências Humanas ficou como estava. Esta divisão, sob a direção do ex-oficial da CIA Chadbourne Gilpatrick, liberou 68 mil dólares em 1955 para que o Instituto de Administração Pública da Universi- dade das Filipinas treinasse estudantes selecionados do Sudeste Asiático na boa arte de gerir governos apoiados pelo Ocidente sem recorrer a apêndices coloniais.
(pág.309)... Entra Nelson Rockefeller em agosto de 195S. Ele lembrou aos membros do Grupo Especial que estava encarregado de encontrar "meios de utilizar eficaz- mente indivíduos e grupos americanos e estrangeiros e organizações estrangeiras públicas e privadas" em operações clandestinas. 40 Estas organizações incluíam306 SEJA FEITA A VOSSA VONTADE universidades, usadas como "reservatórios de potencial humano". Professores da Universidade Estadual de Michigan (MSU) tinham voado até Saigon em maio, e logo agentes da CIA se juntaram a eles. A requisição de material da MSU na- quele ano incluía lançadores de granadas, munição para annas de controle de dis- túrbios, projéteis de gás lacrimogêneo, granadas e morteiros. 41 Acadêmicos ame- ricanos estavam treinando a polícia e os guardas civis de Diem no lado sombrio da democracia da Guerra Fria. Aconteceu que logo Diem se tomaria a última esperança de Washington para
(pág. 310)...Rockefeller tinha a responsabilidade de fiscalizar o desenvolvimento da capacida- de aérea clandestina da CIA. O contato mais estreito de Nelson com a indústria aeronáutica era seu irmão Laurance. Durante a gestão de Nelson como presiden- te do Grupo Especial em 1955, o principal assessor de Laurance, Harper Woodward, entrou para a direção do Transporte da Aviação Civil (CAT), a gran- de empresa de transporte de carga da CIA no Sudeste da Ásia: 45 O aumento de operações clandestinas nos vales íngremes e cobertos de matas da Indochina forçou a CIA a procurar por um avião leve STOL (decolagem e pouso em pista curta) para suplementar a frota de aviões maiores do CAT. Uma pequena empresa de aviões de um pacifico subúrbio de Norwood, em Boston, desenvolvera uma maravilha aeronáutica: o Helio Courier. Capaz de de- colar de uma pista curta como uma quadra de tênis, voando alto a velocidades superiores a 160 quilômetros por hora ou flutuando silenciosamente a 49 quilô- metros horários, o Helio Courier tinha um alcance de até 1.354 quilômetros. Era perfeito para as operações da CIA em áreas remotas, onde pistas de pouso - quando existiam - eram clareiras escavadas na base de montanhas
(pág. 318)... Durante o período em que Nelson foi coordenador presidencial de operações clandestinas da CIA, em 1955, "a América Latina começou a emer- gir como uma área da Guerra Fria" 1 escreveu mais tarde Harry Rositzke, da CIA. "A CIA se envolveu numa ampla frente de operações clandestinas: cons- trução de agêadas de notícias e postos locais para a distribuição de propagan- da, apoio a congressos de estudantes não-comunistas, patrocínio ou subsídio de publicações anticomunistas, extensão das atividades de organizações intelectuais de fachada para grupos da juventude, de estudantes e de trabalhadores, do México ao Brasil." 16 O pcrlodo de Nelson como chefe de guerra psicológica coincidiu com uma cirurgia plástica da política empresarial americana para fins externos. A Agência de Infonnações dos EUA, através de uma campanha chamada Capitalismo Po- pular, estava a ponto de rebatizar as empresas americanas como modelos de com- portamento responsável e democracia. O Capitalismo Popular era uma tentativa de impulsicmar a imagem de um capitalismo não mais predatório ou abusivo, ePROfEJAS DO JUIZO flNAL 315 sim amadurecido corno atividade empresarial responsável, de propriedade e con- trole democráticos.
(pág. 375)... Ao mesmo tempo, a CIA fez planos para mandar apoio logístico para o regime de Katanga, o que poderia incluir aviões Helio Ccarier- e o melhor piloto do JAARS. Assim que o Grupo Especial concordou, em 25 de agosto, "que o planeja- mento para o Congo não necessariamente descartaria 'considerar' qualquer tipo de atividade que possa contribuir para nos livrar de Lumumba", u o próximo pas- so parecia predeterminado. No dia 26 de setembro, o cientista da CIA "Joseph Schneider" chegou a Leopoldville, a capital congolesa, com materiais biológicos mortíferos, incluindo tularemia (febre de coelho), tuberculose, anthrax, varíola, brucelose e encefalite eqüina venezuelana (doença do sono). Um deles "devia produzir uma doença que era ( ... ) nativa daquela área [ da África] e que podia ser fàtal".' 6 "Schneider" era, na verdade, o dr. Gottlieb, do MKULTRA.
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(pág. 391)... Segundo membros de sua equipe, a morte de Lumumba deixou Kennedy atônito. Ele não sabia que a CIA planejara a morte do líder africano ou que o secretário do Tesouro, C. Douglas Dillon, estava envolvido na decisão de livrar-se dele. Ignorante dessas maquinações, o novo presidente, confrontado com rebeliões emergentes no Terceiro Mundo, decidiu se concentrar em Cuba,já que, durante a campanha, se comprometera a fazer alguma coisa sobre o comunismo. Mas ele estava ficando apreensivo sobre o plano de invasão da CIA. A ofensiva de feverei- ro da CIA contra um novo regime militar no Laos tinha fracassado debaixo de fogo na planície de Jars e o exército secreto da CIA fora esmagado. Poderia a CIA estar errada sobre a operação cubana?
(pág. 399)... Berle deixou a Colômbia com a impressão de que "se tivermos que confrontar a situação [cubana]", podemos contar pelo menos com a simpatia de Lleras. "Mas ele disse que não estava em posição de liderar um movimento para enfrentar a situação- se a OEA quiser aderir, ou uma consulta a ministros do Exterior mostrar apoio substancial, algo pode ser feito." Isso ia depender do Brasil, onde o presidente Jânio Quadros era um "mistério".
(pág. 404)...O presidente também não sabia que a sugestão original de King para o assassinato de Fidel2° tinha sido incluída nos planos de invasão da CIA. 21 O mafioso da Flórida Santos 11-afficante, que esperava recupe- rar os negócios de jogo, prostituição e drogas que tinha em Havana no regime de Batista, dera a um importante exilado cubano algumas das pílulas envenenadas do dr. Sidney Gottlieb, para serem usadas no restaurante favorito de Castro na mesma época da invasão. 22 Castro já devia estar morto na ocasião. Mas, como a maior parte dos projetos da CIA naquele ano, o plano fracassou. Castro não fre- qüentava mais o restauran.te. Depois que a invasão fracassou, o líder exilado teve que devolver o adiantamento de dez mil dólares dos cinqüenta mil que King des- tinara para um assassinato bem-sucedido.
(pág. 408)... Depois da baía dos Porcos, Kennedy se sentiu mais vulnerável do que nunca as pressões da direita. Ele temeu que "se houvesse outra baía dos Porcos( ... ) os militares quase se sentiriam na obrigação patriótica de proteger a integridade da •Como redator de discursos durante a campanha de Kennedy, em 1960, Goodwin invadira a seara de King, citando a América Latina como prova da incompetência republicana. Foi de quem criou a expressão Aliança para o Progresso, como sinal de apoio à reforma de terras e oposição à ditadura. O amigo de Goodwin e colega de força lllrefa, Robert Alexander de Rutgers, tinha chegado ao ponto de apontar laços empresariais americanos com Perón, da Argentina; Trujillo, de São Domingos, e Pm:z Jim~, da Venezuela, em seu livro The Stn1gje for DemocrrJCy in Latin America.O DIA DA SENTINELA nação e só Deus sabe que segmento da democracia estariam defendendo se der- rubassem o establishment eleito". 28 Kennedy ressentiu-se dos esforços da CIA em manipulá-lo para lançar um ataque das forças armadas dos EUA contra Cuba e brincou com a idéia de esfacelar a CIA "em mil pedaços". Mas conteve-se por causa do fascínio das operações presidenciais clandestinas. Ele acabou nomeando o irmão Robert como supervisor do Grupo Especial.
(pág. 424)... De sua propriedade em Foxhall State, 'Wclshington, e em visitas ao Pentágono, Nelson se mantinha informado dos acontecimentos internacionais e da reação do governo Kennedy a eles. Quando falava em público, no entanto, Nelson tendia a rufar os tambores de seu assunto favorito, a guerra nuclear. Não importa o que os soviéticos façàm, ele disse a 346 jornalistas no Hotel Fontainebleau de Miami, os Estados Unidos deviam não apenas continuar com os testes nucleares subterrâ- neos, mas reiniciar também os testes na atmosfera. Mais pesquisa, insistia, era necessária para o desenvolvimento de ogivas nucle- ares mais leves, novas armas, como a bomba de nêutrons; sistemas de defesa antimísseis (mais mísseis) e armas nucleares táticas "tão necessárias para ação mili- tar local e limitada". 6 Ele não mencionava que sua Corporação Internacional de Economia Básica (IBEC) estava agora se preparando rapidamente para a produção de componentes de mísseis. A divisão de borracha, plástico e compensado da IBEC se expandira para incluir sistemas para lançadores de satélites; unidades de com- pressor de ar para dar partida em aviões a jato; válvulas em reatores nucleares e, em 1963, encomendas diretas do Pentágono para montagem de saias de mísseis inter- continentais Titan 11.
(pág. 444)... a África Ocidental e na Colômbia. Woodward estava solidário. Os educadores bilingües e os Helio Courier do JAARS eram o que o Departamento de Estado precisava. O SIL podia ajudar os EUA a responder à tão badalada campanha de alfabetização de Cuba integrando as áreas rurais do hemisfério propensas à guerrilha numa "solidariedade america- na" cultural, política e talvez econômica. Cam estava pronto para mais do que palavras. O encontro no Departamento de Estado o inspirou a fazer uma propos- ta mais ampla, uma "Idéia para a Amizade Interamericana" que abarcasse Cristo e a alfabetização como instrumentos de guerra psicológica. William Kintner, da CIA, principal assistente de Nelson Rockefeller no perío- do do Grupo Especial, era amigo de Schneider. Então, Cam e Schneider o pro- curaram. Para o SIL e Kintner a fidelidade política dos índios era preocupante. "Estes grupos, geralmente vivendo em áreas isoladas, são alvos especiais do co- munismo", advertiu Schneider. Este projeto desencorajaria o comunismo habili- tando as pessoas a ler e a escrever e fornecendo literatura do Mundo Livre. 17 Kintner passou a proposta a Arthur Schlesinger, o elo da Casa Branca entre a intelectualidade liberal e as operações clandestinas da CIA.
(pág. 448)... Os rura/es eram controlados pela DAS, a policia secreta colombiana e, como os rangers, não eram conhecidos pela bondade com os índios. Yarborough soube que um comandante de batalhão tinha "feito uma tentativa bem-sucedida de ganhar a confiança dos índios" ajudando-os com seus problemas e abrindo um armazém apoiado pelo Exército. Em conseqüência, "os índios ajudaram o tenente coronel Valencia em sua missão de segurança interna" .fuborough escreveu uma longa lista de recomendações para o grupo Es- pecial em Vkshington. Além de unidades dos Boinas Verdes, enfatizou o valor da guerra psicológica para aterrorizar o campo. Onde projetores de cinema alimenta- dos por energia solar não funcionassem, o "soro da verdade" o fiuia. "Operadores de detector de mentira deviam ser treinados pelo Exército e pela DAS para interro- gatório habitual de aldeões suspeitos de conhecer as atividades da guerrilha( ... ) O interrogatório eiraustivo de bandidos, com auxílio de pentotal e do detector de men- tira, deve ser usado para extrair cada pedaço de informação. " 31 fuborough sonhava com um vasto estado policial. "O programa intensivo de registro de civis deve ser realizado para que cada habitante da Colômbia esteja fichado nos arquivos do governo com fotografias e impressões digitais. Funcio- nmos do governo com equipamentos de fotografia e registro devem acompanhar as patrulhas policiais. " 32 O Levantamento Geodésico Interamericano seria solicitado p
(pág. 459)... Durante uma visita ao Brasil em 1942, Rockefeller também desenvolveu um relacionamento com o alto comando militar brasileiro. Na foto, ele está observando um mapa com o general Pedro Góes Monteiro (à esquerda) e o general Eurico Gaspar Dutra. Três anos depois, o presidente Vargas seria deposto pelos generais.
(pág. 460) O embaixador americano Jefferson Caffery (à esquerda), que se opunha aos planos de Rockefeller para o desenvolvimento da Amazônia, falhou ao tentar impedir a visita de Rockefeller ao Brasil. Depois, tentou atrapalhar o discurso do convidado de honra ao pedir cigarros em voz alta, mas acabou ficando completamente embaraçado durante os cinco minutos de elogios de Rockefeller. Um espantado Oswaldo Aranha, o pró-americano ministro de Relações Exte- riores de Vargas, senta-se entre os dois americanos...
(pág. 462)... O novo presidente do Brasil, general Outra, que junto com o general Góes Monteiro foi o chefe da conspiração de 1945 contra \.árgas, aproveita um momento de lazer durante uma visita aos Estados Unidos.
(pág. 473)... 1964 foi também o ano em que os fuzileiros americanos foram enviados à Amazônia peruana para dar apoio a um ataque da força áerea do Peru, usando napalm contra assustados índios mayoruna que defendiam suas terras, junto à fronteira com o Brasil. O ataque: se mostrou ineficaz na floresta tropical, e o governo Belaúnde se voltou então para o SIL. (Comsia de La Prensa)
(pág. 476)... Che Guevara morto. Depois de apresentado aos repórteres, o corpo de Guevara foi queimado para evitar que seu túmulo fosse transformado em local de peregrinação. Contudo, uma década mais tarde sua foto ainda podia ser encontrada nas paredes das casas e nos ônibus que cruzavam os Andes, onde muitos o consideravam um mártir. (Cortesia de josé Luis Alcazan/Edición Era)
(pág. 506)... O secretário de Estado Rusk estava voando para negociações no Japão, quando o Air RJra II de repente teve um colapso de comunicações com Wdshington. Naquele momento, as balas corriam além da velocidade do som na Dealey Pla7.a de Dallas. O jornalista fiancês Jean Daniel, agindo como enviado secreto de Kennedy a Havana, estava com Fidel Castro quando a notícia chegou a Cuba. Castro consi- derou o acontecimento ruim para o país. Ele andara ansioso por estabelecer con- tato com os EUA, usando a jornalista Lisa Howard para levar o recado ao conse-O DIA DA SENTINELA 471 lheiro especial da ONU, William Atwood. Kennedy tinha cortado a CIA do cir- cuito de informações, pois não queria que a agência soubesse de nada. 57 "Será que a CIA màtou meu irmão?",sa indagou Robert Kennedy a John McCone. McCone assegurou que não, ignorando os planos de assassinato de- pois da baía dos Porcos, ou pelo menos assim alegou. Mas o secretário de Justiça continuou cético. Logo depois do crime, ele ligou para a CIA e perguntou a um estupefato oficial de plantão: "Será que seu pessoal teve alguma coisa a ver com este horror?" 59 Anos depois, quando ouviu que o promotor distrital de Nova Orleans, J1111 Garrison, estava a ponto de indiciar agentes da CIA que teriam conhecido Lee Harvey Oswald, Robert mandou um assessor investigar. Garrison afirmou ter evidências de que Oswald era aliado de três agentes da CIA: Clay Shaw, diretor do Trade Mart de Nova Orleans, George de Mohrenschildt, geólogo de petróleo de Dallas e imigrante russo amigo da mulher de Oswald, e David Ferrie, instru- tor do campo de treinamento de Lake Pontchartrain quando este foi invadido pelo FBI e fechado em setembro, para cumprir o acordo dos mísseis de Cuba.
(pág. 507)...Johnson resgatou seu colega texano da geladeira para combinar o Departa- mento de Estado e a AID num punho de ferro do empresariado americano no exterior. Enquanto Johnson discretamente revertia o plano de Kennedy de se re- tirar do Vietnã, Mann se concentrou no Brasil. Os dois países se tornariam mar- cos na história americana, o Vietnã como um desastre 1 o Brasil como um triunfo. E, com o golpe militar no Brasil, J. C. King iria pelo menos voltar ao sonho bri- lhante de trinta anos atrás, a Amazônia.
(pág. 512)... A experiência sempre produz o cinismo. Alguns latino-americanos se preo- cupavam se o idealismo que tinha promovido a Aliança para o Progresso teria morrido com Kennedy. Mais tarde, alguns brasileiros culpariam Mann pelo gol- pe militar que se aproximava, mas estavam errados, segundo argumentaria Gordon: "A revolução brasileira, ou golpe ( ... )já estava em andamento."
(pág. 516)... O governo Goulart não se opunha, a principio, a esquemas de colonização. Sua agência regional para o Nordeste, a Sudene, tinha a construção de rodovias na Amazônia como prioridade nos planos de colonização para acabar com as ten- sões no campo. Mas o problema era que Goulart queria o desenvolvimento da Amazônia pelos brasileiros. A AIA conseguiu frustrar os esforços brasileiros de controlar suas associa- ções de crédito, 20 mas não sem aprender uma valiosa lição sobre o nacionalismo brasileiro. Se a AIA queria prosseguir livremente com os planos de desenvolver a fronteira, teria que esconder sua identidade por trás de uma "Fundação Brasileira", que seria receptora e repassadora da ajuda americana. Isto também remove- ria suspeitas brasileiras de que empresas americanas estavam promovendo seus próprios interesses na Amazônia. "É minha opinião que a fundação deveria ser inteiramente brasileira", escreveu Walter Crawford, da AIA, ao velho confidente de Nelson, Berent Friele. "Tenho esperanças de que ainda seja possível ter alguns dos principais cidadãos brasileiros [envolvidos]. " Em 1962, a AIA reduzira a área do interior brasileiro que pretendia desen- volver, mas os planos continuavam ambiciosos, começando com a criação de gado em larga escala.•
(pág. 517... Estes eram os limites da fronteira. Os índios já tinham sido empurrados para o vale tropical do Xingu ou morrido nas planícies e pântanos do Planalto. A re- gião também era conhecida da IBEC há muito tempo, com propriedades que continham depósitos de fosfato e reservas de níquel. Mais tarde seriam lançados projetos de mineração de vanádio, chumbo, prata, diamantes e nióbio. 22 Em 1962, uma equipe de pesquisa da AIA identificou o Planalto como "urna área prioritária para o desenvolvimento econômico em larga escala". Parte do atrativo da área, segundo um relatório prel
(pág. 519)... A proposta do Planalto foi colocada em compasso de espera. Crawford foi acon- selhado a procurar outro lugar que não o Brasil e concordou. Na ausência da funda- ção brasileira agindo como condutor (a Fundação Azevedo Antunes ainda não ti- nha decolado), o problema continuaria a ser "os brasileiros" . 28 Desta maneira, a AIA se viu espremida pelos dois lados: pelo governo brasileiro, liderado por Goulart, e pelo governo americano, liderado por Kennedy. Com Kennedy fora em dezembro de 1963, o problema de como a ajuda americana seria administrada começou a cla- rear com a nomeação de Thomas Mann como secretário de Estado assistente para a América Latina. O "problema brasileiro" sob Goulart, no entanto, permaneceu.
(pág. 523)... Estes eram os limites da fronteira. Os índios já tinham sido empurrados para o vale tropical do Xingu ou morrido nas planícies e pântanos do Planalto. A re- gião também era conhecida da IBEC há muito tempo, com propriedades que continham depósitos de fosfato e reservas de níquel. Mais tarde seriam lançados projetos de mineração de vanádio, chumbo, prata, diamantes e nióbio. 22 Em 1962, uma equipe de pesquisa da AIA identificou o Planalto como "urna área prioritária para o desenvolvimento econômico em larga escala".
(pág. 526)... O Helio Courier em si simbolizava as contradições culturais e políticas que Cam usara para construir o SIL, contradições explosivas que ele agora trazia paraA MATANCA DOS INOCENTES 491 a tão ambicionada Amazônia brasileira. Ao mesmo tempo, a Helio Corporation estava profundamente envolvida com a mesma CIA que buscava a queda de Goulart, o presidente de Darcy Ribeiro.
(pág. 530)...Os Rockefeller eram uma óbvia fonte de recursos e o SIL fez uma petição endereçada à sede da Fundação Rockefeller no Rio. Infelizmente, todas as contri- buições estavam destinadas à Universidade de Brasília, dirigida por Darcy Ri- beiro.63 Os laços de Ribeiro com Goulart tinham atrapalhado o acesso do SIL às verbas da AIO, mas, precisamente por isso, Ribeiro era uma carta valiosa demais para ser ignorada. No entanto, em março de 1964, este ás foi removido com a derrubada de Goulart. Com ele, ironicamente, desapareceu a última barreira para o genocídio do índio amazônico.
(pág. 533)... A casa de Adolf Berle cm Manhattan se encheu com o ruído de estática de um rádio de ondas curtas na noite de 30 de março de 1964, enquanto ele ajus- tava os botões tentando ouvir as últimas notícias sobre a movimentação de tro- pas no Brasil. Com ele estava Alberto Byington, um brasileiro cuja familia há muito ligara a Amazônia aos Estados Unidos. Byington descendia de escravistas confederados que tinham migrado para a cidade de Santarém, no baixo Ama- zonas, onde a escravidão ainda era legal, em vez de aceitar a emancipação dos afro-americanos decretada por Abraham Lincoln. Os ancestrais de Byington sobreviveram bem à abolição brasileira de 1888 e prosperaram. Byington tinha seu destino ligado à expansão da Alcoa no Brasil, que logo incluiria depósitos de bauxita na Amazônia. Desde pelo menos 1962, ele vinha repassando dinhei- ro americano aos conspiradores 1 e era um dos principais planejadores do golpe que estava se desenrolando. "Ele expôs o plano", disse Berle. "Durante a noite nós o vimos se concretizar com grande precisão." 2 No Rio, o presidente João Goulart também assistia, mas498 SEJA FEITA A VOSSA VONTADE em desalento, enquanto exército após exército desertava do governo constitucio- nal e marchava rumo ao Rio. As bravas palavras presidenciais que usara para res- ponder às primeiras notícias da rebelião tinham sido substituídas pelo temor de não sair vivo do Rio. Goulart esperava uma tentativa de golpe. Quando John Kennedy estava vivo, ele acreditava que as coisas ficariam sob controle, apesar de Kennedy ter sido duro quando mandou o irmão Robert no ano anterior com uma longa lista de exigências. Os termos de Robert tinham sido tão parecidos com os dos inimigos internos de Goulart que o presidente brasileiro, atônito, perguntara ao secretário de Justiça dos EUA: "Como pode ser que você esteja em contato com meus inimigos?" Estes inimigos eram uma legião, a começar por almirantes e generais que tentaram evitar sua ascensão depois da renúncia de Jânio Quadros. Havia tam- bém dirigentes estaduais conservadores como Juracy Magalhães, ex-informan- te do FBI e confidente de embaixadores dos EUA desde o período de Berle durante a guerra e agora governador da Bahia; o governador Adhemar de Bar- ros, de São Paulo, um médico rico que deixara a União Democrática Nacio- nal (UDN), ajudara a derrubar Vargas em 1945 e formara seu próprio Parti- do Social Progressista; e os governadores da UDN, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, um banqueiro, e, naturalmente, o sempre vingativo Carlos Lacerda, do estado da Guanabara. Os generais vinham se preparando há anos para este dia. Além disso, sabiam que contavam com o apoio do governo Johnson em Washington, e um apoio palpável: dinheiro, armas, promessa de reconhecimento diplomático e mesmo uma força-tarefa da Marinha america- na pronta para entrar em ação.
(pág. 535)... No outono de 1963, o governador de São Paulo, Adhemar de Barros, estava falando ao diretor executivo do AIFLD, o ex-associado de Rockefeller durante a guerra Serafino Romualdi, sobre os planos para "mobilizar contingentes milita- res e policiais" contra o presidente Goulart. O AIFLD então montou rapidamente uma sessão de treinamento para 33 sindicalistas brasileiros nos EUA. "Quando voltaram( •.. ) vários deles( •.. ) se envolveram intimamente com algumas opera- ções clandestinas antes que a revolução estourasse em 1° de abril", explicou o sucessor de Romualdi na direção executiva, William Doherty,J r., numa entrevis- ta pelo rádio depois do golpe. "O que aconteceu no Brasil ( ... ) não aconteceu ape- nas - foi planejado - e planejado com meses de antecedência. " 7 Parte do planejamento incluía o uso de outro grupo de fachada, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), financiado pelo grande empresariado americano, como o AIFLD. Pelo menos 1,4 bilhão de cruzeiros foram repassa- dos ao IBAD através das filiais brasileiras de três bancos norte-americanos, que se recusaram a revelar os nomes dos depositantes do IBAD quando intimados por investigadores do Congresso brasileiro, tendo porém sido identificados mais tarde como intermediários da CIA por um ex-funcionário da agência. 8 A Corporação Internacional de Economia Básica (IBEC) de Nelson foi mais tarde identificada como um dos grandes contribuintes do IBAD, 9 bem como a Standard Oil de NovaJ ersey, Hanna Mining, Bethlehem Steel, Texaco, Gulf Oil, U. S. Steel e General Motors.'º Em 197 S, o ex-agente da CIA Philip Agee con- firmou que o IBAD era uma das "principais operações de ação política do posto [ da CIA] no Rio". 11 Mas o mais importante trunfo da CIA no Rio era o Exército brasileiro. O IBAD tinha contratado militares graduados da reserva, numa tentativa de in- fluenciar as eleições no Clube Militar em 1962 contra candidatos de Goulart. Uma investigação do Congresso acabou levando Goulart a fechar o IBAD em500 SEJA fEITA A VOSSA VONTADE outubro de 1963, mas já era tarde demais. Os agentes do IBAD estavam nos seus lugares e continuaram a operar dentro do movimento trabalhista, da Esco- la Superior de Guerra e do poderoso Quarto Exército. Os veteranos da Força Expedicionária Brasileira que tinham lutado com o adido núlitar, coronel Vernon Walters, na Itália durante a Segunda Guerra, emergiram triunfantes nas elei- ções do Clube Militar. Estes oficiais, chamados de Grupo Sorbonne, classifi- cavam todas as críticas aos Estados Unidos como subversivas e inspiradas pelo Partido Comunista.
(pág. 536)... Os generais, no entanto, não aplaudiram. Três dias depois, o chefe do Esta- do-Maior do Exército, Humberto Castelo Branco, foi ao embaixador Lincoln Gordon com o plano de um levante militar. O Brasil tinha que ser salvo de si mesmo, ou pelo menos de Goulart. Qual seria a reação de Washington? Gordon teria respondido que o presidente Johnson estava disposto a reconhecer qualquer governo rebelde em território brasileiro que se opusesse a Goulart e ao comunis- mo e que conseguisse se agüentar durante 48 horas ( uma receita similar à da baía dos Porcos). Ele sugeriu que Minas Gerais, sede da IV Região Militar, seria o melhor local para iniciar a rebelião. 1
(pág. 539)... Dois dias mais tarde, Gordon mandou outra mensagem ultra-secreta para Rusk, advertindo que trezentos fuzileiros navais brasileiros não conseguiram con- trolar um protesto de marinheiros contra a prisão de trinta colegas que haviam falado em defesa de Goulart num comício. O presidente voltou do feriado de Páscoa em sua fazenda do Rio Grande do Sul disposto a conceder anistia aos fu- zileiros e marinheiros, e a marcha subseqüente dos marinheiros libertados aos gritos de "Longa vida aJango" consolidou a posição dos altos escalões militares contra o governo. Para estes homens, Goulart estava justificando um motim contra a autoridade deles, uma autoridade que, segundo acreditavam, precedia a repúbli- ca, derivando dos dias do imperador português, quando as Forças Armadas ti- nham o papel de servir ao Brasil acima dos interesses políticos e de classe. Duas504 SEJA FEITA A VOSSA VONTADE vezes antes, durante as tentativas de 19S S e 1961 para impedir a sucessão consti- tucional de civis eleitos, a recusa de oficiais subaltemos em obedecer ordens ile- gais para um golpe fora decisiva. Os generais e almirantes estavam decididos a não deixar esta resistência prevalecer novamente. Os generais começaram a discursar contra as reformas constitucionais pre- vistas por Goulart. "Forças de resistência, civis e militares, buscam se recuperar do inesperado revés e se consultam febrilmente sobre um curso de ação futura", 32 telegrafou Gordon. Novamente, King estava entre os poucos destinados a rece- ber a mensagem. King, no entanto, não estava gostando de ficar longe dos acontecimentos. Ele não iria agüentar que passassem por cima dele como na Guatemala e na baía dos Porcos, porque o Brasil era sua cria e especialidade desde os dias em que presidi- ra a subsidiária daJohnson &Johnson e fizera um levantamento na Amazônia a pedido de Nelson Rockefeller na Segunda Guerra Mundial. Fmalmente, chega- ra a vez de prevalecerem seus contatos entre empresários conservadores, políticos e militares - antes desprezados pelos lvy Leaguers favoritos da CIA. Ele voou secretamente para o Brasil para estar ao alcance quando o golpe acontecesse e chegou bem a tempo. "De fato, King estivera muito discretamente no Rio duran- te a recente revolução de abril por lá", Berle recordou um mês depois em seu diá- rio. "Algum dia saberemos desta história. " 33 No Pentágono e na Casa Branca, a história tinha um título: Operação Brother Sam. Informantes foram ao posto da CIA no dia 30 de março com a notícia de que os governadores de São Paulo e Minas Gerais tinham "definitivamente che- gado a um acordo" e que o golpe era iminente, "provavelmente nos próximos dias. A revolução não terá uma solução rápida e será sangrenta. A luta no Norte conti- nuará por um longo período" . 3• O drama alcançou o clímax em 30 de março, quando Goulart disse aos anis- tiados sargentos dos fuzileiros que muitos dos recursos para a mobilização contra o govemo "vinham do dinheiro de empresários que receberam as ilícitas remes- sas de lucros recentemente regulamentadas em lei. É o dinheiro fomecido pelos imensos interesses internacionais do petróleo e empresas [brasileiras] que estão contra a lei que também assinei dando à Petrobrás o monopólio da importação de petróleo" . 3 s Esta política petrolífera teve um impacto negativo sobre os interesses da Refinaria Exploração de Petróleo União, cujo principal acionista, o aliado de Rockefeller, Walther Moreira Salles, seria mais tarde criticado por supostamente apoiar o golpe que estava sendo planejado. 36 Quando naquele dia Goulart fez um apelo semelhante pela televisão ao povo brasileiro, os conspiradores viram que precisavam agir rapidamente.
(pág. 542)... Gordon aconselhou o governo Johnson a não compartilhar sua hipérbole; "evitar postura de júbilo"-43 era a palavra de ordem. Gordon aconse- lhou que J ohnson mandasse um telegrama de congratulações ao novo presidente em exercício, Mazzilli, apresentando os "calorosos cumprimentos da América". 44 A rapidez do reconhecimento de Johnson agradou aos novos líderes brasilei- ros, que não vinham tendo uma boa acolhida na imprensa latino-americana. A mensagem de congratulações de Johnson, por outro lado, chocou muitos segui- dores de John Kennedy. O falecido presidente adotava a prática de romper rela- ções diplomáticas e suspender ajuda no caso da ocorrência de golpes militares, a maior parte deles com apoio da CIA, como acontecera no Equador, Peru, Gua- temala, Honduras, Argentina, República Dominicana e Haiti. O governo J ohnson não deu motivo para estas ilusões porque já tinha procla- mado a Doutrina Mann de reformas sociais limitadas e tolerância do mando mi- litar no dia 18 de março, quando o secretário-assistente Mann telefonou para Gordon e para outros embaixadores na América Latina para explicar o que o re- pórter do jornal 1'he New York Times, Tad Szulc, chamou de uma "modificação radical das políticas do governo Kennedy"•s. Nenhuma mensagem mais clara pre- cisava ser enviada aos generais brasileiros, a não ser o reconhecimento acelerado. Mais tarde, Gordon e Walters negariam qualquer envolvimento americano no golpe. 46 "Nem a embaixada americana nem eu pessoalmente desempenhamos qualquer papel neste processo" : 1 declarou Gordon sob juramento a senadores descrentes em 1966, durante audiências de confirmação como novo secretário de Estado assistente de Johnson para Assuntos Interamericanos.
(pág. 545)... No dia 15 de dezembro, o pacote de ajuda foi anunciado em Washington. Além do prometido, incluía outros 450 milhões em empréstimos de bancos pri- vados com garantia do Fundo Monetário lntenacional, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e de firmas de investimentos privadas. 59 Todos os emprésti- mos, naturalmente, teriam que ser pagos e estes pagamentos poderiam ser reprogramados, mas só com o consentimento das instituições que realmente esta- vam concedendo o empréstimo, entre elas o Chase Manhattan. No dia 23 de dezembro, um agradecido general Castelo Branco decretou um novo código de mineração endossando a exploração privada das reservas de ferro brasileiras. Este código provocou a liberação de 28,8 milhões de dólares do Ban- co Interamericano de Desenvolvimento. 60 Mas a Hanna, o caso-teste para todos os investidores americanos potenciais, ainda tinha pela frente o Supremo Tribu- nal Federal. No outubro seguinte, McCloy, novamente escoltado por Gordon, se reuniria com Castelo Branco e com o ministro das Minas e Energia para pedir a restauração da contestada concessão da Hanna. 61 Apoiado por Campos, que ser- vira como assessor técnico da Hanna, Castelo Branco baixou o Ato Institucional nº 2 com dois objetivos: responder à colossal derrota eleitoral, naquele mês, dos candidatos a governador do regime, banindo todos os partidos políticos, e encher os tribunais de recursos e o Supremo de simpatizantes militares para superar em número os juízes indicados por Kubitschek e Goulart. (A Hanna ganhou o caso em junho de 1966 contra uma resistência simbólica do governo diante de um Tribunal de Recursos reformulado.)
(pág. 546)... "Durante 1964, uma revolução popular no Brasil redirecionou a tendência do governo do país, instalando uma judiciosa administração sob o presidente Hum- berto de Alencar Castelo Branco dedicada à melhoria do bem-estar do povo bra- sileiro através dos meios constitucionais. Muitos negócios no Brasil passam por um período extremamente difkil por causa do esforço do governo em controlar a inflação através de uma variedade de meios que incluem severas restrições ao cré- dito. No entanto, sua empresa e o mundo dos negócios em geral estão patriotica- mente apoiando o programa e têm toda a confiança em seu eventual sucesso. " 69 David, comparecendo a uma conferência sobre a América Latina em West Point no outono de 1964, revelou a um grupo de discussão que "tinha sido decidido bem cedo que Goulart era inaceitável para os EUA".Nelson era mais combativo. Ele culpou o presidente Kennedy e os demo- cratas pelo golpe. O New York Times informou que "ele argumentou que sobSEJA fEIIA A VOSSA VONTADE os democratas esta nação tinha encorajado o governo de João Goulart, que foi derrubado ontem. Este encorajamento foi dado apesar de o presidente brasi- leiro ter colocado comunistas em posições de governo contra os desejos de muitos governadores brasileiros,,.
(pág. 549)... "Para ganhar todos, ou praticamente todos, os cinqüenta estados americanos em novembro", escreveu um partidário de Goldwater duas semanas depois do golpe, "Johnson terá que converter milhões de republicanos, sulistas, reacioná- rios e gente que odeia o Texas, um objetivo para o qual ele deu um passo gigantes- co ao reconhecer instantaneamente o golpe militar no Brasil." Johnson fez isso mesm01. Teve uma vitória esmagadora, a maior desde a reeleição de Franklin O. Roosevelt em 1936. Johnson começou chamando os Rockefeller à Casa Branca como conselhei- ros especiais para a América Latina, controle populacional e preservação. Ainda tos nas assim, para Nelson a política perdera a graça, talvez bem antes das primárias de 1964. Nonnan Mailer notara a mudança no rosto de Nelson mesmo quando a vitória na Califórnia ainda parecia possível. "Ele tinha uma expressão forte e de- cente e algo duro em seu semblante, mas seus olhos estavam ausentes há muito tempo - ele tinha aquele brilho lunar distante de olhos pequenos e tristes que a gente vê num chimpanzé ou gorila enjaulados."
(pág. 555)... Os matses tinham ganho uma reputação de resistir ferozmente à usurpação de suas terras. A natureza lhes concedera o destino infeliz de viver nas mais ricas florestas de borracha do mundo. Promes- sas de salários, mercadorias e remédios em troca de seu trabalho no surto serin- gueiro na primeira década do século acabaram dando lugar a massacres.
(pág. 562)... ação revolucionária e receberia armas através da Amazônia brasileira. 28 A cone- xão brasileira foi considerada bastante ameaçadora: "O Brasil é o mais sério pro- blema para nós na América Latina", disse a CIA. 29 Outra fonte de armas, um contrabandista da Bolívia chamado Klaus Altman, era menos preocupante. Altman era um contato da CIA cujo nome verdadeiro era Klaus Barbie, um fugitivo na- zista. Depois de ajudar a espionagem dos EUA durante a ocupação americana da Alemanha no pós-guerra, ele recebeu permissão para escapar para a Argentina, o velho reduto de um ex-investigador de nazistas fugitivos, membro do serviço de informações do Exército dos EUA e subseqüente chefe de operações clandesti- nas da CIA na América Latina, coronel}. C. King. Barbie era leal aos seus novos senhores.
(pág. 563)... A missão de Simmons trabalhava com pilotos do Exército peruano treinados pelo JAARS no uso de aviões Helio para missões na selva. No dia 4 de março de 1964, Breitweiser chegou a Lima. Ele se reuniu com diversos colegas da Força Aérea peruana, com membros da missão aérea dos EUA e, sem dúvida, com o embaixador James Wesley Jones e os homens de cúpula do posto da CIA, incluindo Clark Simmons. Quando Breitweiser voltou ao Panamá era normal informar seu superior, o comandante-em-chefe do Comando Sul, general Andrew O'Meara, que· estava então revendo planos de emergência para uma possível intervenção militar no Brasil. As tensões estavam altas entre funcio nários de informação nos países da bacia amazônica. Quando chegou a notícia do comandante da Força Aérea peruana sobre o ata- que dos matses à expedição, Breitweiser e O'Meara não hesitaram. Dois aviões de transporte com marines dos EUA e dois helicópteros de assalto H-43 foram man- dados às pressas para Iquitos. O tempo evitou que resgatassem os feridos antes que a coluna de socorro os alcançasse. Mas os helicópteros permaneceram em Iquitos, fortemente armados. Estavam esperando pelo MIR.
(pág. 564)...No final de 1964, estava claro que o golpe militar brasileiro tinha sido a senha para o fim da democracia civil na maior parte da América Latina. Assim como o golpe boliviano veio no rastro do brasileiro, o mesmo aconteceu com o lançamen- to de feroz ofensiva militar contra as repúblicas camponesas "vermelhas" nos Andes ao sul da Colômbia. Pouco depois da remoção do presidente João Goulart no Brasil, o presidente colombiano León ½lenda deu ao seu exército sinal verde para avançar sobre as repúblicas camponesas. Com orientação da CIA e dos Boinas Verdes, espiões já tinham sido despachados, informantes recrutados e a "ação cívica" iniciada. A construção de estradas, pontes e escolas pelo Exército foi acompanhada da distri- buição de comida e roupas pela CARE, então sob controle da CIA 35 e de sua adjunta latina, Catitas. O Exército então montou um bloqueio em tomo da mais forte das repúblicas, Marquetalia, para isolá-la e controlar a população civil.
(pág. 564)... Os generais colombianos se sentiram obrigados a acelerar as coisas. A Força Aérea foi autorizada a jogar napalm nas aldeias. Tropas especialmente treinadas foram baixadas de cima da_ cobertura vegetal por helicópteros armados com me- tralhadoras; camponeses foram fuzilados e aldeias arrasadas. Time e outras gran- des publicações foram convidadas a testemunhar a vitória.
(pág. 568)... Em fevereiro de 1965, John, como diretor do Conselho de Desenvolvimento Agricola e do Conselho de População, fez o discurso inaugural da Conferência sobre Subsistência e Administração Camponesa em Honolulu. Ele foi bem claro sobre o que estava em jogo: o status qua político. "Se não controlarmos o cresci- mento populacional, a vida como a conhecemos, ou - mais importante - a vida como queremos que seja, irá certa e lentamente se deteriorar." 38 John vestira o manto do pai. Junior tinha sido influenciado por teóricos da eugenia como Frederick Osborn, Henry Fairchild e Warren Thompson que, apesar do desprezo consciente pelo racismo, adotavam os argumentos malthusianos sobre a pobreza causada pelo crescimento da população, com um foco curioso nas populações pobres, especial~ mente no Terceiro Mundo. Que tais argumentos não se aplicavam a homens como Junior, que tinha seis filhos, nunca preocupou John III (que tinha quatro) ou Nelson ( que tinha sete) ou Laurance ( que tinha quatro) ou David ( que tinha seis). O que preocupava os Rockefeller eram os perigos criados pela inquietação social e o fato de a maioria em todo o mundo estar apelando a comunistas locais ou a líderes nacionalistas em sua impaciência com a inanição. Nos anos 1950, en- quanto a IBEC expandia seus investimentos na Operação Bootstrap, de Teodoro Moscoso, para a industrialização em Porto Rico, o Conselho da População de John estava encorajando ativamente a esterilização como forma de controle populacional. Em 1965, cerca de 35% das mulheres de Porto Rico em idade de procriar tinham sido esterilizadas. A assistência médica inadequada era o argumento básico para a esterilização como meio de promover uma saúde melhor e evitar uma queda ainda maior dos rendimentos. 40 No começo de 1964, Thomas Mann tinha estabelecido um Escri- tório de População dentro da Aliança para o Progresso e conseguiu que o Con-A AATANCA DOS INOCENTES gresso o financiasse através da AIO. Agora, John III queria mais. Ele pediu a forma.ção de uma comissão presidencial para mvestigar as implicações dos núme- ros populacionais para ajuda aos países do Terceiro Mundo. Ele esperava que o dispositivo intra-uterino pudesse ser o começo da "solução definitiva do proble- ma da população". Mas isso não removia a ameaça imediata de inanição, como explicou em Honolulu. Até que a população esteja estabilizada, cada aumento na produção de alimentos é importante ação de controle. Com efeito, estamos "ganhando tempo" até que as escalas de sobrevivência possam ser trazidas para um equilíbrio du- radouro. Como então podemos aumentar da melhor maneira a produção de ali- mentos? Creio que um fator importante para a resposta é o agricultor de subsis- tência. ( ... ) Ele é encontrado onde haja terra arável.( ... ) Quase sempre trabalha perto do limite da pobreza, buscando a sobrevivência da melhor maneira possí- vel, com implementos geralmente primitivos.
(pág. 570)...Eles sabiam que a cultura é uma das grandes vantagens que o homem sapiens tem na luta pela sobrevivência: através da seleção inteligente deliberada, a cultura pennite uma adaptação maior do que a mutação genética através da seleção natural, que pode levar milhares de anos. Thmbém sabiam que a cultura pennite a um grupo de pessoas - uma tri- bo, ou mesmo uma nação- se adaptar a mudanças iniciadas pela ação de outros povos. Aprendendo os componentes essenciais de uma cultura - sua estrutura genética e seus neurotransmissores, por assim dizer - os engenheiros sociais, armados ou não, teriam ferramentas para manipular mentes. Na busca do contro- le, os praticantes de contra-insurreição da CIA já tinham aprendido que havia outras armas que não revólveres ou gases, e que era curto o caminho das ciências sociais, que faziam a engenharia de sociedades inteiras, para as ciências fisicas, que faziam engenharia das mentes.
(pág. 571)... O Programa de Segurança Pública da AIO, controlado pela CIA, forneceu à polícia peruana quase tanto dinheiro, armas, veículos, gases, rádios e treinamento policial e paramilitar quanto recebiam os dirigentes fardados brasileiros. 47 Mui- tos desses policiais eram treinados pela CIA na Academia Internacional de Polí- cia de Washington, financiada pela AIO, incluindo três dias de treinamento in- tensivo no rebatizado Centro de Guerra Especial John E Kennedy, em Fort Bragg, Carolina do Norte. Lá, entre palestras sobre "relacionamento entre civis e milita- res em operações de contra-insurreição e apoio policial em guerra não conven- cional, " 48 a polícia peruana e oficiais militares conheceram alguns dos Boinas Ver- des que os ajudariam a destruir rebeliões civis, incluindo a do MIR
(pág. 585)... Bombas explodiram à sua volta, desmembrando homens, mulheres e crian- ças; casas e pessoas irromperam em chamas. Muralhas de chamas alaranjadas caíram sobre as pessoas, deixando para trás uma geléia inflamável que colava na pele. Era napalm, fabricado para a Força Aérea peruana pela lnternational Petroleum Company, da Standard Oil, 28 levado à Amazônia numa cortesia do Pentágono e de alguns generais da Força Aérea que Larry Montgomery ensinara a pilotar. O inferno chegara nas asas de um anjo e, para a maioria dos campas fiéis aos velhos costumes, o inferno e o anjo eram cristãos.
(pág. 587)... Para montar uma operação contra os fantasmas de Che, a CIA precisava dos melhores especialistas em contra-insurreição, com experiência de combate na sel- va. Isto não era problema; a CIA simplesmente recorreu ao seu amplo estoque de agentes no Vietnã, mas a agência precisava de mais, de um de seus próprios gene- rais de campo, um mestre das operações clandestinas que conhecesse os mean- dros da América Latina - especialmente a Amazônia inteira - como nenhum outro americano. Que tivesse protegido sua identidade de todos, com exceção dos mais íntimos; que fosse dono de uma rede de contatos cultivada em anos de negó- cios e espionagem e, mais importante, que soubesse sobre assassinatos e que há muito tivesse colocado Che Guevara na sua mira mortal. A CIA precisava do coronel J. C. King.
(pág. 589)... O homem de cabelos grisalhos se apresentou de uma maneira que ela mais tarde lembraria como correta, até galante, dizendo-lhe que lera o livro e chegara até ela através de um amigo comum. Disse que conhecia a selva, pois tinha traba- lhado com a Junta de Produção da Borracha durante a Segunda Guerra Mun- dial, quando aprendeu que o poder das plantas medicinais indígenas era mais do que superstição. Agora que se aposentara da direção sul-americana daJohnson & Johnson estava livre para investigar estes remédios. Estaria ela interessada em juntar-se a este esforço se ele montasse uma empresa com uma sólida base finan- ceira e científica?' Maxwell aceitou. Soube, por amigos em Nova York, que este homem era um importante industrial e que podia confiar na sua capacidade de conseguir capital de risco.
(pág. 592)... No entanto, o interesse de King ia além do sangue-de-dragão. Era, como sem- pre, contra-insurreição. King ainda era assessor da CIA e a agência estava inte- ressada em outras coisas além de ungüentos tropicais. O controle populacional estava se tornando cada vez mais importante na política do governo Johnson para o Terceiro Mundo, com John D. Rockefeller III pressionando pela criação de557 um assistente especial do presidente que supervisionasse os programas de con- trole da natalidade. King viu a sorte acenando. Anticoncepcionais indígenas vinham sendo pro- curados desde que os antropólogos mencionaram, mais de vinte anos antes, que as índias conheciam plantas para controlar a fertilidade. Maxwell, na verdade, fi- zera nome promovendo anticoncepcionais nativos.
(pág. 597)... Um dos agentes da CIA que se juntaram a King na Amazônia foi William Bucldey, um experiente operador de MKULTRA e especialista em guerra na selva que, como futuro chefe de posto em Beirute, morreria em 198 5 como refém da guerrilha fundamentalista muçulmana Heizbollah (Exército de Deus). Bucldey e King sabiam que a Amazônia era um verdadeiro reservatório de venenos. Um deles, curare, que algumas tribos usavam nas flechas e dardos, tinha sido estoca- do pela CIA para simular ataques cardíacos em pessoas marcadas para morrer. Outro era uma folha que matava o gado, outra ainda provocava queda de cabelo. Algumas plantas matavam peixes, uma seiva deixava as vítimas temporariamente cegas. A maior parte dessas pesquisas tinha sido realizada por cientistas em empre- sas farmacêuticas ou centros acadêmicos ligados à indústria do setor. Mas, em 1965, a CIA fora obrigada a mudar algumas de suas fachadas e nomes em códi- go. Estudos das operações da CIA ordenados por Kennedy após a baía dos Por- cos finalmente produziram um relatório crítico assinado pelo inspetor-geral da agência, general Lyman Kirkpatrick. Em conseqüência, o vice-diretor Helms concordou com uma mudança em 1965: MKULTRA passou a ser chamado de MKSEARCH, mas seu objetivo permaneceu o mesmo: "desenvolver, testar e avaliar cap
(pág. 601)... Outra expedição que passou pela base peruana do SIL era composta de uma ex-marine que virou escritora, Margaret Kreig, que estava compilando dados para o livro Green Medicine, e do médico Bruce Halstead, ex-instrutor de missionários médicos cristãos fundamentalistas da Universidade de Loma Linda. Embora Halstead fosse especialista em venenos marinhos e tivesse um contrato com o Pentágono, sua missão declarada para a viagem de 1962 era coletar informações566 sobre plantas medicinais de índios e missionários protestantes para a empresa química Pfizer. Ele não estava interessado apenas em remédios indígenas, os alu- cinógenos estavam nos seus planos. "Halstead estava naturalmente alerta sempre que buscávamos novos métodos de preparar ayahuasca e espécimes botânicos de vinha", escreveu Keig na época. "Gravei em fita várias ( ... ) receitas nativas, todas altamente contraditórias, e fiquei na dúvida se os pesquisadores da Pfizer fariam algum uso delas. " 38 Mais tarde descobriu que não. Mesmo assim, Halstead esta- va ansioso para ter as plantas no seu novo Instituto de Pesquisa da Vida Mundial para estudos preliminares. "Não temos segredos", disse ele a um missionário en- tre os índios campa. "Se alguma dessas plantas for aprovada, passaremos a infor- mação para você de maneira que os nativos possam usá-la mais eficazmente em proveito próprio." 39 Os índios, no entanto, tinham pouca necessidade da eficiên- cia americana para usar seus próprios remédios tribais.
(pág. 609)... Em 1963, um misterioso alemão de meia-idade apareceu em Letícia dizen- do que queria comprar a única serraria da região. Apresentou-se como Rafael von Steinbeck, mas tinha muitos outros nomes. Entrara na América do Sul depois da Segunda Guerra Mundial pela Argentina peronista, exatamente quan- do King estava em Buenos Aires como adido militar assistente encarregado de monitorar ligações empresariais e redes de espionagem nazistas. Só três déca- das depois o mundo saberia da proteção fornecida pelas agências de espiona- gem americanas a criminosos de guerra nazistas que colaboraram na Guerra Fria contra o comunismo.
(pág. 615)... Agora, dois anos depois, Rodríguez estava novamente na pista do ex-minis- tro do Exterior de Cuba. Che tinha sido visto numa área remota de Santa Cruz, conhecida principalmente pela presença de índios, missionários americanos, pe- tróleo e cocaína. Como no Sudeste Asiático e, mais tarde, no Sudoeste Asiático (Afeganistão e Paquistão), a guerra secreta da CIA na América Central a colocou em conflito com a política oficial dos EUA. A CIA forneceu armas e equipamen- tos (incluindo transporte aéreo) para senhores da guerra uniformizados financia- dos pela receita de produtos cultivados por camponeses e transformados em nar- cóticos. Tais operações criaram uma rede internacional de comércio clandestino de armamentos capaz de financiar guerras ilegais da CIA sem conhecimento do Congresso.
(pág. 616)...Em 1967, o centro da comunidade alemã e do crescente comércio ilegal de cocaína na Bolívia era a região de Santa Cruz, a leste dos Andes. Um dos mais poderosos alemães na Bolívia era um comerciante de meia-idade chamado Klaus Altman. Seu nome verdadeiro era Klaus Barbie, o Carniceiro de Lyon, que esca- para do julgamento por assassinatos em massa na França com ajuda da CIA, que o usou como um "instrumento" na Guerra Fria. 17 (Foi um dos intermediários de Barbie, segundo um relatório, que ajudou a condenar a guerrilha do MIR no Peru em 1965, fornecendo armas defeituosas e munição errada em nome de um trafi- cante de armas boliviano conhecido pelo MIR como Klaus Altman. 18) O sócio de Barbie em assÚntos "comerciais" em Lima era Friederich Schwend, ex-oficial das SS de Hitler e agora autonomeado ministro das finanças dos recursos con- trabandeados para fora da Alemanha e usados para financiar as empreitadas dos exilados nazistas, incluindo tráfico de drogas e armas.
(pág. 624)... O corpo de Che foi atado ao patim de aterragem de um helicóptero, que pa- recia um imenso marimbondo carregando uma presa nas garras quando desceu no aeroporto de Vallegrande. A cena sinistra causou comoção entre a multidão de jornalistas e soldados. Rodríguez entregou o corpo a um colega da CIA e partiu com dois souwnirs: o relógio Rolex de Che e uma crônica falta de ar. Rodríguez veria o fantasma de Che pelo resto da vida. "Che podia estar morto, mas de algu- ma maneira sua asma, algo que nunca tive, passou para mim. Até hoje, minha falta de ar é uma lembrança constante de Che e de suas últimas horas de vida na pequena cidade de La Higuera. As notícias da morte de Che, repetindo a alegação do regime de que morrera em combate, se espalharam pela América Latina. O general Barrientos e o co- mandante-em-chefe das forças armadas, general Alfredo Ovando, obcecados em provar a morte de Che, mandaram cortar-lhe as mãos e preservá-las em álcool antes de mandar queimar o corpo. O feroz Ovando, na verdade, queria a cabeça de Che, como admitiu Rodríguez mais tarde. "Felizmente ele se convenceu de que tal ato seria muito impróprio." 40 O homem que supervisionou os trâmites fi- nais do corpo de Che, o ministro do Interior Antonio Argueadas Mendieta, ficou tão assolado pela culpa- e com medo dos fascistas bolivianos à sua volta - que fugiu da Bolívia, fez uma confissão pública de suas ligações com a CIA e foi para e foi para Cuba, levando com ele o diário de Che, sua máscara mortuária e suas mãos."
(pág. 629)... No começo de 1965, depois de emergir do período de luto pelo irmão, Robert Kennedy estava levando a vida como senador por Nova York. Ele se transfonnara numa espécie de iconoclasta, fãlando pelos que desaprovavam a política do governo dentro e fora dos EUA. Anos mais tarde, seria revelado que a CIA considera- va espionar Kennedy quase tão importante quanto colher informações sobre a União Soviética.
(pág. 632)... Na conversa que tive com estudantes do Instituto Cultural Peruano America- no, ouvi muitas queixas e críticas, mas nem uma vez me disseram o que pensavam ou o que achavam que devia ser feito sobre este ou aquele problema. Acho que vocês ~ que devem agir. O presidente Kennedy teve de intervir contra algu- mas grandes empresas americanas; a Argentina cancelou contratos petroUfe- ros; anos atrás o México nacionalizou seu petróleo, e o que aconteceu? Depen- de de voe& não se deixarem dominar e agirem de acordo com seus interesses e com o que consideram mais conveniente. E nada pode acontecer, como nada aconteceu antes. Kennedy então pediu suas opiniões sobre o "mais difkil e urgente problema que seu país enfrenta": a assimilação dos índios. Kennedy tocou na dinâmica cen- tral da história do hemisfério. Mas ele não percebeu que se fosse deixado a em- preendedores privados aliados a empresas dos EUA, o desenvolvimento conti- nuaria acontecendo a um custo para os povos indígenas que ultrapassaria em muito os beneficios. Kennedy viu o problema de modo tradicional - "integração" da população indígena - que podia ser tratado como um assunto de direitos civis.
(pág. 637)... Os fundamentalistas não hesitaram em apoiar Johnson. Sua batalha fazia parte do teste divino dos americanos como O Povo Eleito desta era, destinado a derrotar as legiões pagãs de Satanás e liderar o mundo numa nova e sacra or- dem mundial. Billy Graham foi o mais famoso pastor protestante a se colocar ao lado de J ohnson. Entre exortações patrióticas durante cruzadas em cidades por todo o sudoeste, ele foi várias vezes à Casa Branca para orar no café da ma- nhã, apresentou relatórios de cruzadas no além-mar e tentou clarear o semblan- te preocupado do presidente. Ele vinha fazendo aquilo desde os primeiros e tenebrosos dias após a morte de John Kennedy, quando comparou a tarefa de J ohnson à de Josué depois da morte de Moisés. Tais invectivas, diante do que aconteceu no Vietnã, deviam ter sido um atestado do dom de Graham para a profecia, considerando a política de terra arrasada de Josué quando liderou as hostes de Israel colina abaixo para conquistar os povos que viviam em Canaã. Mas Graham não se limitou a esta visão; ele se deslocou rapidamente para exem- plos mais americanos e democráticos: "Como Deus estava com Washington em Valley Forge e com Lincoln nas horas mais sombrias da guerra civil, então que Deus esteja convosco.
(pág. 641)... Esta terra era a linha de frente da guerra dos EUA no Sudeste Asiático. Além das planícies costeiras do Vietnã, as terras centrais subiam a escarpada cadeia de montanhas do Anam que separavam o país do interior da Ásia. Ali, povos tribais, expulsos há séculos das planícies férteis pelos vietnamitas, lutavam pela vida num solo pedregoso e caçavam nas grandes florestas. Viviam sem o respeito pelas for- malidades legais de fronteiras que obcecavam as autoridades vietnamitas. Cruza- vam à vontade para as colinas do Laos e Camboja, onde se cultivava papoula des- de o século anterior, quando os britânicos usaram lanchas armadas e exércitos modernos para impor o lucrativo negócio do ópio sobre uma China que resistia mas era fraca. Agora, graças à guerra secreta da CIA, o ópio destinado aos mer- cados da Europa e dos EUA estava se tomando a cultura mais lucrativa. Camboja e Laos eram oficialmente neutros na guerra, o Camboja por desíg- nio de seu dirigente, o príncipe Norodom Sihanouk, e o Laos pelo Acordo de Genebra de 1962 negociado por Averell Harriman com a China e a União Sovié- tica. Mas a neutralidade do Laos era fictícia, e não apenas legalmente, como no caso do Camboja ( cujo território era usado como rota de suprimentos para a co- munista Frente de Libertação Nacional [FLN] no Vietnã do Sul), mas também militarmente.
(pág. 654)... A Índia, na verdade, era I a sede das operações da Fundação Rockefeller no Sudeste Asiático. Na capital, Nova Delhi, estava seu único escritório no exterior, chefiado pelo ex-subsecretário da Defesa, Roswell Gilpatric, ex-agente da CIA e então membro da Sociedade Ásia. Este escritório direcionava recursos para o Instituto Indiano de Pesquisas Agrícolas, fazendo da Índia um centro de treina- mento para agrônomos da região. A idéia era desenvolver, como nas Filipinas, "instalações para treinamento em agricultura, medicina e administração, na ex- pectativa de que sua influência se irradiasse por todo o sul da Ásia" .
(pág. 657)... Um membro da Aliança Cristã e Missionária (C&MA) estava orgulhoso dessa colaboração: William Carlsen, missionário no nordeste da Tailândia, considerava um "privilégio compartilhar informações com as agências do governo sempre que solicitam". Carl fez uma palestra de oito horas para a CIA sobre as áreas tribais da Tailândia quando voltou para casa de licença. A maior parte dos missionários da C&MA fazia o mesmo, segundo uma fonte da CIA. A maior parte das informações era sobre as pessoas, suas ações, opiniões e ressentimentos. 52 Ainda assim, as implicações plenas da cumplicidade dos missionários com a CIA e operações militares de informação não seria percebida nos EUA até que começaram a circular histórias sobre o massacre de uma aldeia chamada My Lai e de um programa da CIA de assassinatos em massa chamado Operação Fênix.
(pág. 678)... "Johnson não pode querer nos convencer de que [ o Tet] foi uma vitória para nós", disse Robert Kennedy num discurso. "O vietcong demonstrou que, apesar do nosso suposto progresso( ... ), meio milhão de americanos, somados a setecen- tos mil aliados vietnamitas, com total comando de ar [e] mar, apoiados por enor- mes recursos e as armas mais modernas, não conseguem defender uma única ci- dade do ataque de um inimigo cujos efetivos totais estão em tomo de 250 mil homens." A seguir, Kennedy relembrou o passado, ecoando o irmão morto: Compreendemos erroneamente a natureza da guerra( ... ) Buscamos resolver pelo poderio militar um conflito cujo teor depende da vontade e da convicção do povo sul-vietnamita. ( ... ) Este equívoco repousa sobre uma segunda ilusão - a de que podemos ganhar uma guerra que os sul-vietnamitas não conseguem ganhar sozinhos.( ... ) A corrupção do governo de Saigon é a fonte de energia do inimigo. ( ... ) A terceira ilusão é a de que a busca tenaz da vitória militar a qualquer custo atende aos nossos interesses ou aos do povo vietnamita. ( ... ) Sua pequena terra vem sendo devastada pelo peso de bombas e projéteis de artilha- ria maiores do que a Alemanha nazista suportou.( ... ) Mais de dois milhões de sul-vietnamitas são agora refugiados sem teto. ( ... ) Seja qual for o desfecho des- sa batalha, as pessoas que procuramos defender são as grandes perdedoras. A quarta ilusão é que o interesse nacional americano se identifica - ou devia se subordinar-aos interesses egoístas de um regime militar incompetente.( ... ) A quinta ilusão é que esta guerra pode ser resolvida à nossa maneira, no mo- mento em que quisermos e em nossos termos.
(pág. 681)... Johnson telefonou ao primeiro-ministro britânico, Harold Wilson, pela linha vermelha, geralmente usada no caso de ameaças nucleares, pedindo-lhe para sus- pender os pagamentos em ouro. Naquela noite, a rainha Elizabeth II fez uma proclamação que fechou a Bolsa de Valores, o câmbio, todos os departamentos do exterior dos bancos e, naturalmente, a Bolsa de Ouro de Londres. Nelson Rockefeller permaneceu à parte, mas atento. Ele se recusou a aderir ao coro dos críticos do orçamento sobre a ajuda externa. Ainda estava convencido da necessidade de ajuda para os investimentos de empresas dos EUA no exterior, tanto para promover o desenvolvimento do Terceiro Mundo quanto como ante- paro contra a infiltração soviética. No ano anterior, seu irmão David pressionara congressistas contra cortes na ajuda à América Latina e conversara com líderes empresariais do Conselho das Américas para que fizessem o mesmo. Este acordo sobre a política do Terceiro Mundo se estendeu ao Vietnã. Os Rockefeller conti- nuaram a apoiar Johnson. A campanha de George Romney, prejudicada por as- sessores de Rockefeller que elaboraram discursos a favor da guerra para o gover- nador de Michigan, sucumbiu em 28 de fevereiro. Um Romney amargo explicou em particular que se retirou porque "descobriu que estava sendo usado por Rockefeller como pretexto".
(pág. 700)...Faculdade de Relações Exteriores da Georgetown U niversity, Galo Plaza era pessoa em quem se podia confiar para manter a ordem dentro da entidade e assegurar o apoio da OEA à subversão, pela CIA, de governos de esquerda, não apenas no Equador ( onde os governos Velasco e Arósemena caíram em golpes apoiados pela CIA), mas por toda a América Latina. Ele também en- dossara os esforços do irmão de Nelson, John III, para introduzir o controle da natalidade entre os índios equatorianos através da Agência para o Desenvolvimento Internacional (AIO), uma grande nova iniciativa política.
(pág. 704)...De todos os amigos de Nelson no Brasil, nenhum foi mais útil do que \\álther Moreira Sanes, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos. As ligações de Salles com interesses financeiros em bancos e propriedades rurais tinham valido a Nel- son uma mina de oportunidades nos esforços de conquistar os campos e florestas das fronteiras brasileiras. Em meados dos anos SO, durante a euforia que se seguiu à queda de Getúlio Vargas, Nelson, David e a IBEC se juntaram a Moreira Salles na fazenda pecuá- ria de Bodoquena, com mais de 400 mil hectares, em Mato Grosso. Além de criar gado e possivelmente explorar a mineração, Nelson estava interessado em desenvolver uma plantação de café nas encostas das montanhas Bodoquena.
(pág. 708)... Para os que observavam cuidadosamente a diretoria da IBEC, as implicações da fundação do BIB eram óbvias. Em 1966, a IBEC tinha contratado quatro novos diretores: Moreira Salles; Alberto Ferrari, gerente geral do Banco Nazionale del Lavoro, um dos maiores bancos italianos com uma sucursal em Nova York e es- critórios na América do Sul ( duas décadas mais tarde, executivos do Lavoro se- riam indiciados por fazer empréstimos secretos ilegais ao Iraque de Saddam Hussein durante a guerra deste país contra o Irã do aiatolá Khomeini; o banco também tinha negócios com o Bank of Credit and Commerce Intemational [BCCI], um canal da CIA para operações clandestinas, incluindo a rede finan- ceira do caso lrã-Contras 25 ); James Perkins, da direção do grupo de estudos da Força Aérea, a Rand Corporation, e reitor da Universidade Comell, um dos prin- cipais patrocinadores das pesquisas agrícolas e sociais financiadas por Rockefeller nas áreas rurais do Brasil; e Richard Aldrich, que em 1972 se tomaria líder da Câmara de Comércio Americano-Brasileira. Na época, os interesses dos Rockefeller já tinham sido tão afetados por surtos
de nacionalismo brasileiro que eles buscavam meios de disfarçar o controle ame- ricano sobre assuntos econômicos do Brasil. Os tenentes de Nelson na AIA, o braço filantrópico da IBEC, tinham completado esforços para lançar uma funda- ção brasileira que ocultasse a óbvia afiliação americana - e Rockefeller - da AIA.(pág. 709)...trinta milhões de agricultores tinham mostrado o tipo de impaciência desespera- da que poderia levar a uma revolução ao estilo cubano. A Sala 5 .600 acompanhou este radicalismo crescente. Os arquivos da AIA e da IBEC continham recortes de imprensa e memorandos de teor preocupado de Berent Friele, da IBEC, e de outros sobre o turbilhão político. "O tempo é essencial e devíamos agir antes que seja tarde demais", Friele escrevera a Adolf Berle já em 1961. "As forças de Cas- tro estão muito ativas na área. " A AIA havia previamente apontado para o Planalto Central, as vastas planí-
(pág. 717)... No calor das expectativas brasileiras para o desenvolvimento da Amazônia, um estranha transformação aconteceu entre os nacionalistas de direita do país. As682 SEJA fEIJA A VOSSA VOHIADE mesmas pessoas que não demonstravam preocupação com os habitantes das ter- ras que destruíam agora falavam a favor daqueles que antes apenas consideravam obstáculos à ambição humana. Os índios da selva, os Intocáveis do Brasil, de re- pente encontraram um campeão inesperado. Era uma metamorfose sem-vergo- nha, mas aceitável para pessoas como os irmãos Villas-Boas, que temiam horrores piores. Aconteceu quando a celebrada bolha do SPI explodiu, mandando pelos ares o mito de uma sociedade que cuidava dos índios. O assunto que precipitou a crise do SPI foi um artigo em 1966 numa publicação internacional de antropologia sobre o massacre, em 1963, de uma aldeia de índios cintas-largas. O autor, George Grünberg, teve a audácia de chamar o massacre de genocídio. 55 Seu senso de opor- tunidade foi feliz, pois as condições políticas estavam maduras para expor as coi- sas. O artigo expunha o que estava acontecendo no noroeste de Mato Grosso, onde buldôzeres americanos Caterpillar estavam avançando na selva para cons- truir uma ligação da rodovia Transamazônica de Cuiabá, a capital de Mato Gros- so, a Porto Velho, capital de Rondônia. Quatorze pontes foram construídas ao longo da rota de 1.450 quilômetros com 52,6 milhões de dólares emprestados pela AIO. O Exército dos EUA doou um milhão em equipamentos pesados para o Exército brasileiro pôr mãos à obra. Era claramente um projeto envolvendo um assunto de segurança nacional para os governos do Brasil e dos EUA. Uma nova fonte de riqueza tinha sido descoberta na área: cassiterita, um mineral necessário para a produção de estanho. Foi este raro mineral que inspirou a Companhia Arruda e Junqueira a enviar ao território dos cintas-largas, em 1963, uma expedição que resultou num assassinato em massa. A expedição tinha derrubado pessoas como se fossem árvores. Usando uma das muitas pistas abertas na selva desde a Segunda Guerra Mundial, um Cessna chegou trazendo duas armas: açúcar para atrair os índios de seus esconderijos e acalmar seus temores, e depois dinamite. O reconhecimento aéreo encontrou os poucos sobreviventes da aldeia bombardeada e eles foram mortos também. Este massacre nunca teria vindo à luz se um dos assassinos, Ataide Pereira, não tivesse contado ao seu confessor católico sobre o ataque. O padre Edgar Smith convenceu o homem a repetir a história diante de um gravador e depois entregou a fita ao SPI. O envolvimento da Igreja católica e a vívida descrição dos fatos garantiram que não fossem ignorados. "Não é a primeira vez que a firma de Arruda e Junqueira cometeu crimes contra os índios", contou o padre Valdemar Veber a um investigador policial. "Esta firma age como cobertura para outros empreen- dimentos interessados em adquirir terras ou que planejam explorar os ricos depó- sitos minerais existentes na área." A cassiterita era apenas a última sensação.
(pág. 719)...Os borôros estavam num tal estágio de desespero que as mulheres tomavam uma planta que as deixava temporariamente estéreis. 61 A ladainha de índios as- sassinados parecia interminável. Os nambikuaras tinham sido dizimados pelo fogo de metralhadoras, os pataxós foram inoculados com varíola pensando que esta- vam tomando vacina, os canelas foram massacrados por jagunços e os maxakalís tinham recebido aguardente e geralmente eram mortos a tiros quando estavam bêbados. "Para exterminar a tribo beiços-de-pau( ... ) uma expedição foi formada para subir o rio Arinos com presentes e uma grande quantidade de alimentos para os índios, contaminados com arsênico e formicidas. " 62 Dos cem mil a duzentos mil índios que se estimava estarem vivendo no Brasil em 1957, 63 menos de cinqüenta mil sobreviveram, segundo alguns antropólo- gos. Albuquerque Lima e Figueiredo prometeram justiça.
(pág. 726)...Bem acima da Rockefeller Plaza, em Manhattan, agentes da família Rockefeller na Sala S .600 assistiram num silêncio de pedra enquanto a repres- são, selvagemente moderna, estrangulava o Brasil, baixando decretos de dia, caçando de noite. Pessoas ligadas ao império financeiro da famflia informavam com detalhes o que acontecia. O capelão presbiteriano da Universidade de Comell, William W. Rogers, ex-diretor do extinto Projeto Brazil-Comell no Nordeste brasileiro (uma vítima do medo da CIA), trouxe o tipo de notícias que poucos jornalistas americanos, incluindo aqueles fora do Brasil e livres da censura do regime, se importavam em noticiar ou tinham permissão para isso.
(pág. 727)... Apesar do domínio ditatorial, a determinação dos estudantes ainda não tinha sido quebrada. No Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho, trans- mitido em rede nacional de televisão, o jovem Geraldo Vandré cantou uma pode- rosa canção de protesto chamada Caminhando. Ele "cantava sobre fome e protes- to, soldados e canhões, viver e morrer sem razão", infonnou Rogers ao escritório de Rockefeller. "A multidão, a maioria estudantes( ... ), aplaudia e cantava cada palavra com Vandré. Caminhando era a sua canção e Vandré, seu herói. " 2 A revista O CTUzeiro chamou a ocasião de "o festival de Vandré" e Rogers notou a reação extremada do governo militar, transcrevendo um trecho de reportagem publicada no Brazil Hera/d, no Rio: RIO DE JANEIRO (15 de outubro)-Lojas de discos foram notificadas pela polícia política ontem de que não devem tocar a canção Caminhando, de Geral- do Vandré ( ... ) O chefe de polícia da Guanabara ( ... ) chamou a letra da canção de ofensiva às Forças Armadas porque inclui um trecho que diz que os soldados nos quar- téis "aprendem a matar e têm uma vida sem sentido.( ... )" Estão sendo tomadas providências para proibir a venda do disco ( ... ) e to- dos os shows.( ... ) A polícia no Rio prendeu pessoas que aparentemente leva- vam cópias da letra. Rogers descreveu choques entre estudantes, de um lado os pró-america
(pág. 731)...como seu arquirival Richard Nixon logo diria, para onde o Brasil fosse, toda a América do Sul iria atrás. Com os líderes latino-americanos preocupados com seu próprio fu- turo diante do governo republicano recém-eleito em Washington, razia todo o sentido que o novo presidente seguisse o conselho de Galo Plaza, secretário- geral da Organização de Estados Americanos: designar Nelson Rockefeller para uma missão exploratória da América Latina destinada a tranqüilizar seus líde- res. Tal missão também daria a Rockefeller um prêmio de consolação. Ninguém previu que se tomaria um pesadelo para todos os envolvidos.
(pág. 756)... No final dos anos 1960, Edwards era presidente da filial chilena da IBEC. Não foi surpresa que o ex-assessor de Nelson, Henry Kissinger, tenha se reu- nido com Edwards e Kendall em 15 de setembro de 1970, uma semana de- pois de Allende ter ganho a eleição.4 2 Edwards tinha boas razões para estar preocupado: indústrias de bens de consumo controladas por interesses estran- geiros, com a IBEC à frente, seriam uma das primeiras áreas nacionalizadas pelo governo Allende. Nelson, como membro da Junta de Assessoramento de Informação no Ex- terior de Nixon, sabia da política anti-Allende da Casa Branca. O Grupo Es- pecial do Conselho de Segurança Nacional (chamado Comitê dos Quarenta durante o governo Nixon) era presidido por Kissinger. Este comitê tinha su- pervisionado o uso pela CIA de agentes-jornalistas no EI Mercurio para pu- blicação quase diária de editoriais e notícias falsas contra Allende nos jornais de Edwards.
(pág. 758)... Enquanto isso, ajunta brasileira fortalecia seus laços com os militares chi- lenos. Mesmo antes do golpe que matou Allende, o regime militar do Brasil deixaria sua marca em outros golpes na região. Em agosto de 1971, a Segun- ___ ___ , , •Os jorrtllis de F.dward eram apoiados contra as críticas de Allende por dinheiro e ldegramas de protesto 90brc a liberdade de imprensa enviados por jornais estrangeiros, pela Associação lnteramericana de Imprensa ( dirigida durante anos pelo velho amigo de J. C. King, Joshua Powen. F.dwards era presidente da Ali no começo dos anos 1970) e por agentea-jornalistas da CIA de 10 pa1ses enviados ao Chile.UIA NOVA ORDEI IUNDIAL da Brigada Aeroterrestre brasileira estava estacionada em Mato Grosso para apoiar o contrabando pela CIA de armas e cquipamemm para o estado de Santa Cruz, na vizinha Bolívia. Lá, o consulado brasileiro seria encarregado de aju- dar a coordenar o golpe que derrubou o presidente nacionalista de tendência esquerdista, general Juan José Torres. Os generais brasileiros também esta- riam em contato estreito com líderes militares uruguaios antes que derrubas- sem o governo civil de Montevidéu, em junho de 1973. Três meses depois, persistiam rumores de que tropas brasileiras tinham sido colocadas ao longo da fronteira com a Bolívia durante o golpe contra Allende; lá, também, tropas brasileiras &riam parte de um plano de intervenção de emergência se os mi- litares chilenos tivessem ralhado. Para os militares brasileiros, ao que parece, coube a tarefa de policiar um pedaço da nova ordem mundial, que alcançava escala continental.
(pág. 758)...David queria que Kennedy colocasse a política de ajuda em função dos inves- tidores privados, americanos e aliados locais, alegando que a iniciativa privada em si era a base da liberdade política: "O primeiro requisito é que os penl06 - e, até onde possível, os povos-da América Latina saibam que os EUA mudaram sua política, de maneira a priorizar uma melhoria no clima geral dos negócios como pré-requisitÕ para o desenvolvimento e reformas sociais. Mas David foi além do clássico argumento liberal da base de mercado para a liberdade individual. Ele o estendeu para sugerir que a política dos EUA não apenas favorecesse a iniciativa privada mas se opusesse a empresas públicas e à sua criação fora das corporações privadas, não importa as queixas da opinião pública ou os crimes das corporações. David queria uma política724 geral que desencorajasse as nacionalizações. Queria impor regras que não apenas estendessem a empresas no exterior o direito imperial extraterritorial de assegurar a garantia da Constituição dos EUA sobre uma compensação justa para propriedades confiscadas, mas também o "ressarcimento", um con- ceito muito mais amplo juridicamente, que abrangia isenção legal de respon- sabilidade ou de penas às quais se estava sujeito pelas ações de alguém. 46 David e seus aliados empresariais temiam "possíveis mudanças nas regras do jogo".Para acalmar executivos nervosos nas cúpulas de empresas e bolsas de valores, os "obstáculos" que uma nação em desenvolvimento geralmente ergue para proteger suas indústrias incipientes, pequenas propriedades e o poder aquisitivo da classe trabalhadora tinham que ser removidos. Estes obs- táculos incluíam, nas palavras de David, "sistemas de câmbio supervalorizados ou multivalorizados, complexos controles de importação com tarifas altas e de alta variação, cotas e outras formas de restringir o comércio, controle de preços e práticas orçamentárias imprevisíveis". A ideologia corporativa multinacional ainda não tinha avançado ao ponto de assegurar que estas pro- teções fossem "tornadas antiquadas" no mercado global, mas este seria o pró- ximo passo.
(pág. 774)... Houve ataques de índios contra povoados ao longo da rodovia Trans-Chaco (financiada com dinheiro americano através do Banco Interamericano de Desenvolvimento ). Ali estava uma história de expropriação de terras indígenas pelas Colônias Menonitas e métodos coercitivos de controle da natalidade com perigosos dispo- sitivos intra-uterinos entre os índios chulupí pelos missionários menonitas da Pensilvânia. Cooperativas indígenas deixaram de receber a ajuda enviada pelo governo da Alemanha Ocidental para o desenvolvimento do Chaco. 2 Criadores de gado paraguaios e alemães organizaram caçadas a escravos e massacres de po- vos indígenas, particularmente dos índios aché nas colinas Yvytyrusú, no leste do Paraguai.
(pág. 778)... Este "alcance global", junto com a visão milenar do SIL sobre o Segundo Advento, davam significado ao silêncio do SIL diante da repressão oficial contra os índios. Explicava o sigilo do novo contrato do SIL com o governo colombiano para a execução de um programa piloto de instrução bilíngüe junto aos guajibos; 10 explicava as 99 pessoas, três aviões e quarenta pistas de pouso do SIL só na Co- lômbia; explicava por que, com mais de 1.500 missionários na América Latina e 2.200 missionários em 22 países, o SIL parecia estar em toda parte. Para os antropólogos isto não era sinal de bênção de um Deus onipotente. Pelo contrário, concluíram que a presença do SIL era mais destrutiva do que útil para os índios. Darcy Ribeiro, apesar de seu papel anterior em levar o SIL para o Brasil, assinou a petição da conferência pela expulsão dos missionários das terras indígenas.
(pág. 789)... Distúrbios crescentes nas terras altas foram respondidos, como em toda par- te, com empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) "para máxima ocupação da bacia amazônica", onde terras férteis eram falsamente pro- metidas aos que se juntassem aos cem mil camponeses andinos que se mudaram para lá desde 1960. Um grande programa de controle da natalidade, promovido pelo Banco Mundial e pelo Conselho da População de John D. Rockefeller III, foi desencadeado nas terras altas para inibir o que um consultor do BID chamou de "incrível taxa de fertilidade" entre os povos andinos "primitivos" . 43 O preço que os bolivianos pagariam seria alto: um aumento de 15% na dívida em um ano; desvalorização da moeda; uma dramática mudança na dependência comercial da Argentina para o Brasil; e, para Banzer, uma ruptura de sua coalizão de poder com o partido MNR de Paz Estenssoro. Banzer também teria de fazer empréstimos junto ao First N ational City Bank e outros credores para pagar 13,5 milhões de dólares à U.S. Steel e a outros ex-proprietários das Minas Matilde, e mais 1,5 milhão de dólares pelos bens nacionalizados da Intemational Metals Processing Company, do Texas. No dia 4 de abril de 1972, Banzer se encontrou com o general Médici na cidade fronteiriça de Corumbá, quando o presidente brasileiro prometeu ajuda ao governo Banzer, incluindo um milhão de dólares para ajudar a desenvolver as terras baixas em tomo de Santa Cruz. Naquela semana, a repressão varreu La Paz no rastro de apreensões, pelo Exército, de armas da guer- rilha esquerdista. Entre os presos estava Loyola Guzmán, expurgado anterior- mente do Partido Comunista Boliviano por agir como correio e tesoureiro de Che Guevara. Sua captura foi usada por Banzer como desculpa para mostrar lealdade aos EUA expulsando 69 diplomatas e funcionários soviéticos.
(pág. 800)... A ignorância de Kissinger sobre a América Latina e o ódio de Nixon em re- lação a qualquer legado de Kennedy, como a Aliança para o Progresso, tiveram reflexos em Nelson. Cortes em ajuda externa provocaram o cancelamento da sua visita ao Chile em 1969 durante a viagem pela América Latina. O discurso do ministro do Exterior chileno, Gabriel Valdés, sobre iniqüidades entre Norte e Sul em comércio e finanças, durante um encontro de ministros latino-americanos na Casa Branca, em junho de 1969, deixou Nixon enfurecido. Quando o ministro explicou que a América Latina estava enviando aos EUA 3,80 dólares por cada dólar que recebia de ajuda americana, Nixon o interrompeu. Esta estatística deve estar errada, disse o presidente. O ministro respondeu que sua fonte era o estudo feito por um grande banco americano. Kissinger aproveitou a oportunidade para apaziguar seu superior e explorar a intolerância de Nixon contra governos liberais nacionalistas "de inclinação comu- nista" como o de Eduardo Frei, no Chile. Nixon tomara o comentário de Valdés como um insulto pessoal e Kissinger se apressou a responder à altura. No dia seguinte, Kissinger estava &ente a &ente cum Valdés na embaixada chilena. - · Sr. ministro, o senhor fez um discurso estranho - disse Kissinger. - Nada de importante pode vir do Sul. A história nunca foi produzida no Sul. O eixo da História começa em Moscou, passa por Bonn, atravessa para \\áshington e depois segue para Tóquio. O que acontece no Sul não tem importância. Está perdendo o seu tempo. Valdés ficou atônito. - Sr. Kissinger, o senhor nada sabe do Sul. - Não e estou pouco ligando- respondeu Kissinger. Nelson Rockefeller, no entanto, se importava. Frei tinha sido um favorito dos Rockefeller, desfrutando o apoio do Grupo Empresarial para a América Latina, de David, cujos membros eram os principais canais da ajuda de empresas e da CIA para a campanha presidencial de Frei em 1964 contra Salvador Allende.
(pág. 808)...Em novembro de 1972, Nelson visitou Nixon em Camp David para fazer decolar sua própria comissão. A idéia era uma versão mais nacional da Comis- são Trilateral, que se sintonizaria em muitos casos com objetivos de David no cenmo internacional. Haveria coincidência de filiação em alguns casos para promover uma agenda comum sob liderança dos Rockefeller para uma nova ordem mundial que poderia até incluir os russos, embora nada disso fosse ja- mais explicado a Nixon. Voltaria a prevalecer a mesma força de vontade que havia criado o CIAA, lançado as fundações da aliança militar da OEA, forma- do cruciais grupos de estudo sobre como ganhar a Guerra Fria levando a Rússia comunista à bancarrota com uma corrida armamentista e uma guerra de con- tra-insurreição e enfrentado manifestações violentas para realizar missões de reconhecimento na América Latina.
(pág. 822)... O arquiteto dessa estrutura foi a CIA. Nixon não era amigo da CIA. Ele acreditava, com alguma ra- zão, que a agência era dirigida pelo mesmo establishment do Leste que sempre o desprezara. Ele achava que a CIA dera à candidatura de John Kennedy falsas ale- gações sobre uma desvantagem de mísseis em relação à URSS e informara Kennedy sobre os planos para a invasão da baía dos Porcos, permitindo que o então candidato pedisse uma ação dos EUA contra Fidel Castro exatamente quando Nixon nada podia dizer para não comprometer a missão. Mas havia algo mais sobre a CIA e Cuba que Nixon sabia e acreditava que poderia usar contra Richard Helms, diretor da CIA designado por Lyndon Johnson. Diversos envolvidos no arrombamento de 'Wcltergate trabalharam para a CIA, especialmente em operações relacionadas à baía dos Porcos. Também es- tava ciente de que diversos agentes do FBI participaram de "operações sujas" na Divisão do Hemisfério Ocidental, de J. C. King, antes e depois da invasão. Nixon ordenou a H. R. Haldeman e a John D. Ehrlichman que fizessem a CIA pressionar o FBI para que restringisse a investigação do arrombamento de Watergate. 8 "Diga apenas [ininteligível] muito ruim ter este cara [E. Howard] Hunt'', Nixon instruiu Haldeman. "Ele sabe demais, se tivesse envolvido-você por acaso sabe disso? Se for divulgado que há tudo isso envolvido, o negócio de Cuba seria um fiasco. Faria a CIA aparecer mal, Hunt aparecer mal e é capaz de estragar todo o negócio da baía dos Porcos, o que, acreditamos, seria muito desas- troso para a CIA, para o país, nesta ocasião, e para a política externa americana."
(pág. 830)... O relatório da Comissão Rockefeller sobre experiências da CIA de controle da mente foi limitado sob alegação de destruição de registros por Helms; no en- tanto, 1.600 documentos seriam encontrados na CIA em três anos. A única pista dada por Nelson sobre o alcance dos programas de controle da mente estava em duas frases: "O programa de drogas fazia parte de um esforço muito maior para estudar possíveis meios de controlar o comportamento humano. Outros estudos exploravam os efeitos da radiação, de choques elétricos, da psicologia, psiquia- tria, sociologia e de substâncias perturbadoras.'' Agora, assegurava Nelson, as diretrizes do HEW estavam em vigor. Como a guerra do Vietnã inspirara perguntas sobre sua escalada depois da morte de John Kennedy, Ford estava sendo pressionado a reabrir a investigação do assassinato de Kennedy. Nixon também teve de enfrentar a acusação do envolvimento da CIA na morte do presidente. Ele tratou o assunto de forma magistral, rebatendo apenas as mais exóticas teorias conspiratórias, ignorando as críticas substanciais e as alegações do envolvimento da CIA, após o crime, num acobertamento de fatos relacionados ao assassinato. Sua conclusão foi previsível, dada a presença de David Belin, ex-integrante da Comissão Warren, como dire- tor de equipe e o fato de o presidente Ford ter sido membro da mesma comissão. A Comissão Warren estava certa. Assim como estava envolvido no acobertamento de violações da lei pela CIA, Nelson, como vice-presidente, acobertou as ações da CIA durante os últimos dias da Guerra do Vietnã, além do fato de que a agência dera a parti- da em uma nova guerra secreta em Angola, país rico em petróleo. A CIA novamente utilizou diferenças tribais para promover uma guerra civil sangren- ta, num esforço de derrubar o governo de esquerda de Angola.
(pág. 848)...Em Washington, onde o escritório do SIL mantinha ligações com funcionários do governo, o Departa- mento de Estado de Kissinger manteve um olhar cauteloso na campanha contra o SIL. Na Colômbia, a onda de críticas estava particularmente intensa, com acusa- ções variando do extremo ( tráfico de drogas e contrabando de urânio) ao sério ( seqüestro de crianças e de velhos indígenas para extensas viagens de coleta de fundos pelos EUA) e a algo próximo da realidade (destruir os valores culturais dos índios, criar divisões religiosas dentro das comunidades indígenas, enganar o governo sobre seus objetivos evangélicos e incutir nos índios lealdade aos EUA). Em junho de 197 5, foi publicado um relatório oficial com uma investiga- ção do governo. Embora não houvesse provas das acusações mais graves, lin- güistas e antropólogos de toda a Colômbia pediram a interrupção do contrato do SIL, que estava para ser renovado. O presidente Alfonso López Michelsen decidiu antecipar uma investigação do SIL pelo Congresso colombiano. Sua estratégia foi igual à do governo Ford, que tentara o mesmo em relação à CIA designando a Comissão Rockefeller. López Michelsen, cujo Movimento Libe- ral Revolucionário era apoiado pelo escritório da CIA em Bogotá, 27 tomou o controle do destino do SIL com uma tática brilhante: em vez de esperar os resultados de uma investigação do Legislativo, ele prometeu nacionalizar imedia- tamente os programas bilingües do SIL.
(pág. 851)... Utilização de missionários pela CIA...
(pág. 871)... Urânio...
(pág. 916)... Este é um legado do "sonho brilhante" de Nelson Rockefeller de uma Ama- zônia conquistada. Outro, naturalmente, é a sobrevivência do Grupo Especial, a pequena equipe supersecreta do Conselho de Segurança Nacional que Nelson foi o primeiro a presidir e que Ronald Reagan e George Bush herdaram para forne- cer "negativas plausíveis", sua maior utilidade. Este alto comando secreto, ope- rando de um escritório no porão da Casa Branca, promovia a guerra clandestina em nome da democracia contra o comunismo soviético, contra supostos agentes inimigos em outras democracias, contra o governo sandinista da Nicarágua, ape- sar da proibição expressa do Congresso e, em último caso, contrariando a Consti- tuição dos Estados Unidos. "Para salvar a aldeia tivemos que destruí-la", era o lema no Vietnã; para supostamente salvar a democracia, em casa e no exterior, eles se arriscavam a destruí-la nos dois lugares.
(pág. 918 )...Mas sempre haverá inimigos a demonizar e povos indígenas a conquistar com amor ou balas. Isso porque os povos nativos sobrevivem, apesar de tudo que so- freram, sobrevivem, num contínuo desafio cultural a fraudes euro-americanas sobre modelos econômicos que exigem medidas de austeridade e políticas desumanas para pagar dívidas a entidades empresariais nacionais e estrangeiras, particular- mente bancos controlados por minorias ricas, cujas fortunas se originaram no roubo das terras indígenas. Os seringueiros do Brasil, no passado a vanguarda infeliz da penetração da selva pelo mercado mundial, tinham aprendido a lição. Ao tentar salvar a flo- resta com as mesmas forças de mercado que a estavam destruindo, os seringueiros fizeram convênio com a Empreendimentos de Sobrevivência Cultural, da Uni- versidade de Cambridge, Massachusetts, para gerar "produtos florestais sem envolver madeira", como alimentos feitos com castanha do Pará, em busca de uma alternativa para deter a devastação da floresta. Os americanos foram leva- dos a sair em socorro dos seringueiros devido ao martírio de Chico Mendes, assassinado em 1988 por proprietários de terras, pelo crime de organizar os seringueiros na defesa de seus direitos.
(pág. 920)... Berle também estudou a Convenção contra o genocídio firmada pelas Nações Unidas três anos depois. Em 1951, os membros da ONU, informados sobre as muitas maneiras pelas quais se cometeram crimes contra a humanidade, deram ao genocídio uma definição explícita no Artigo II da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio: Na presente Convenção, genocídio significa qualquer um dos seguintes atos cometidos com o intento de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:
(pág. 921)... Somente alguns poucos entre os poderosos escolheram uma rota diferente. Um deles é David L. Budhoo, ex-economista do Banco Mundial e especialista em Caribe, que em 1988 largou seu emprego de cem mil dólares anuais como funcionário sênior do FMI, baseado em Washington. Em sua carta de renúncia, dividida em sete partes e dirigida ao presidente do FMI, Budhoo acusa o fundo de "hipocrisia" por permitir que milhões de pessoas passem fome enquanto faz vista cega "à farra dos gastos militares do Terceiro Mundo, numa deferência aos exportadores de ~ - seus principais acionistas".
(pág. 922)... Em sua carta de renúncia, dividida em sete partes e dirigida ao presidente do FMI, Budhoo acusa o fundo de "hipocrisia" por permitir que milhões de pessoas passem fome enquanto faz vista cega "à farra dos gastos militares do Terceiro Mundo, numa deferência aos exportadores de ~ - seus principais acionistas". Com a "concordância do Fundo", escreveu Budhoo,DIAS DE JULGAIAENTO 887 os gastos em annas nos países em desenvolvimento aumentaram de sete bilhões ( de dólares] em 197 5 •para quatorze bilhões em 1980 e mais de 21 bilhões em 1986 ( ... ) em 1985, mais deum bilhão de pessoas no Terceiro Mundo viviam( ... ) em absoluta pobreza e mais de quinhentos milhões estavam suportando o sofri- mento da desnutrição e da subnutrição incurável. ( ... ) Não temos escrúpulos em __, govemoa a esmagar até a morte milhões e milhões de seus próprios cida- dãos -vej as alegações extremamente sérias feitas recentemente pela Unicef contra nós a esse respeito-, mas, quando se trata do comércio de armas, somos hipócritas o suficiente para levantar nossas mãos para o alto e fular em "soberania nacional".
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Descrição: A clássica biografia sobre o médico mais infame que a humanidade já conheceu. Chefe do serviço médico do campo de concentração de Auschwitz entre 1943 e 1945, Mengele usou prisioneiros como cobaias humanas em experimentos pseudocientíficos, com os quais buscava comprovar suas teses sobre a superioridade da raça ariana. O grande diferencial dessa obra sobre o “Anjo da Morte de Auschwitz” é que o único filho do médico nazista deu aos autores acesso irrestrito a mais de 5 mil páginas de diários, cartas e anotações particulares de seu pai, de 1945 até sua morte, em 1979, em Bertioga, no litoral paulista. Além disso, um dos autores – Gerald Posner – já havia reunido, no início dos anos 80, o maior arquivo particular de documentos e entrevistas sobre o Mengele. Escrito de forma ágil, tal como uma obra de jornalismo investigativo com um toque de novela policial, o livro traz uma narrativa arrebatadora sobre a vida de um dos fugitivos mais procurados da Segunda Guerra Mundial.
La autora ofrece. como apoyo a su exposición, un análisis de los sistemas sanitarios de Canadá, Francia y Estados Unidos. Ahora bien. el fenómeno de globalización que vive nuestro tiempo no se detiene estrictamente en la economia sino que alcanza a todos los ámbitos relacionados coo ella. y de manera especial al de la salud.El conjunto de los sistemas sanitarios occidentales adolece de los mismos contrasentidos coo consecuencias fatales. Asi al lector le será fácil identificar los guiones vigentes en su propio país. los textos al margen están traducidos del idioma original. así como los titulos de las obras citadas que 5e han publicado en español; de lo cont¡ário, ap¡recen en el idioma odginal (francés o ingléd. Por lo demát hemos optado por mantener las dfai de los costes men(¡onados en la obr¿ en dólares estadounidenseg dada su (asi paidad con et euro en el momento de la publicación dé esta edidón.
Descrição: A bomba de Hiroxima Gordon Thomas & Max Morgan Witts. O evento mais importante da Segunda Guerra Mundial. O bombardeio à Hiroshima é contado pela primeira vez a partir de fontes de primeira mão. Mito e realidade estão finalmente separado do planejamento da missão para aquele momento sobre Hiroshima quando a era atômica nasceu Library Genesis