O senso comum sobre política poderia ser resumido em dois itens:
• política é eleição.
• política é gestão do patrimônio público.
Esse entendimento pode não ser totalmente equivocado, mas por ser exageradamente restritivo tem consequencias outras, que não são a simples ignorância do termo. Porque quando você se convence; de que política é alguma coisa para eleger alguém e esse alguém possa tomar decisões do que fazer com o patrimônio público, você está autorizado a tirar daí uma consequência imediata. Ou seja: isso não tem nada a ver comigo. Porque eu não vou me candidatar e não quero administrar o patrimônio público. Portanto eis aí alguma coisa que se faz em Brasília. Eis aí alguma coisa realizada por gente corrupta. Eu não moro em Brasília, não sou corrupto, não vou me candidatar, não moro em Niterói e não sei o que estou fazendo nessa barca. Esse assunto não me diz respeito. Aliás professor, eu só venho estudar política aqui porque essa disciplina é obrigatória. Eu tenho mais o que fazer. Não gosto de política e esse assunto não me diz respeito. Mas, se nós mudarmos um pouco esse entendimento, se nós alargarmos o objeto da nossa definição, é perfeitamente possível que você perceba que não é simplesmente um observador de um fato social externo e distante, mas faz parte de um espaço aonde a política está por todos os lados. Eis aqui o nosso desafio. Qual é o primeiro degrau do nosso desafio? O primeiro degrau desse desafio é entender que a nossa vida e a nossa convivência; dado que não vivemos isolados, poderiam ser diferentes do que são. O que isso quer dizer: vamos pensar em alguma coisa na natureza que vive. Na natureza, a vida do animal, da planta, da fruta; aquilo que tem vida é necessáriamente o que poderia ser. Ou seja quando o vento venta, é apenas do jeito que poderia ventar. Dizia Aristóteles: os fenômenos naturais são regidos pelos princípios da necessidade. Necessidade em filosofia quer dizer: aquilo que é do único jeito que poderia ser. Exemplo: uma pera grudada numa pereira, quando chega a certo grau de madurez ela cai. Seria esquisito uma pera deliberar não cair. Está chovendo. Vou me sujar. Não vou cair e resolve apodrecer na árvore. Isso é muito estranho. Porém algumas coisas em nossas vidas percebemos que são inexoráveis. A morte por exemplo. Regidas pela princípio da necessidade. Se você resolver comer quiabo no jantar. A propriedade do quiabo é estimular o peristaltismo. Verá que inexoravelmente você passará a noite no vaso, para não ficar mal com as camareiras, se estiver no hotel. Quando as coisas podem ser feitas de outra forma, nós chamamos de princípio da contigência. Ou seja: Se nós nos organizamos de um jeito, esse jeito em que as coisas funcionam não tem que ser necessariamente assim. Em um curso de política temos necessariamente que estudar a dominação. E toda a dominação tem esse princípio: o de fazer acreditar que as relações entre as pesssoas são inexoravelmente; do jeito que são.
A política é o que há de contingente na nossa convivência.
Sinônimo de contingente 16 sinônimos de contingente para 3 sentidos da palavra contingente: Cota: 1- quota, quinhão. Incerto: 2- acidental, transitório, transitivo, temporário, provisório, precário, passageiro, interino, efêmero, relativo, breve, eventual, casual. Acessório: 3- complementar.
Aqui eu recomendo A Dominação Masculina de Pierre Bourdieu - A política é a inteligência a serviço de uma convivência aperfeiçoada, nos campos e nas atividades que a inteligência pode transformar. Essa é a primeira ideia. Em um formigueiro por exemplo essa convivência é inexorável. Regida pelo princípio da necessidade. O formigueiro funciona da mesma maneira desde que existe formiga. Nas nossas cidades, (pólis) muitos de nós trabalham o tempo inteiro, enquanto outros, por razões incríveis, mandam dinheiro para as ilhas Caymãs. Se no formigueiro uma revolução é inócua, no nosso formigueiro o papel de explorador, o papel de explorado, o papel de dominante, o papel de dominado, o papel de mandatário e soberano, o papel de súdito, o papel de senhor e o papel de escravo, não são definidos por atributos da nossa biologia. Da nossa constituição física. São definidos pela nossa vontade. São definidos pela vontade de alguns. São definidos pela inteligência e poderiam ser outros. A convivência poderia ser diferente do que ela é; sempre. A política tem a ver com a convivência, tem a ver com a organização da vida em coletividade, a partir da perspectiva, de que essa organização não é definida para sempre, por ninguém. Mas resulta invariavelmente de disposições, investimentos, engajamento e conduta dos seus agentes. Eis aí o primeiro degrau. Sem esse degrau, não podemos avançar. Esse degrau que acabei de apresentar é o mesmo degrau da escada da ética. Tanto a ética quanto a política, tem o mesmo fundamento: a contigência da vida e da convivência humana. Se você argumentar que o homem é um animal como qualquer outro, a sua vida é única que poderia ser e a sua convivência é a única que poderia ser, como no formigueiro, nesse caso você acaba de eliminar tanto o fundamento da política, quanto também da ética. Desaparecendo eu espero; as diciplinas que cuidam desse assunto.
Leitura recomendada: Pierre Bourdieu- A Dominação Masculina