Ciência/Política

Curso: Ciência Política (este)
Ciência Política Aula 7 splitter 02

A Constituição Brasileira

• Olhar político da constituição: ela não resulta da manifestação ampla, dos interesses sociais, mas de interesses muito mais específicos, patrocinados e abrigados pelos profissionais da política, especificamente responsáveis pela redação do texto constitucional. • Arnaldo Faria de Sá: bandeira dos aposentados. • Perfomativo: fazer acontecer a realidade da qual você fala. • • • •

O primeiro olhar é corrigido pelo segundo olhar. O olhar político da constituição. E m outras palavras para entender esse segundo olhar basta entender a redação do texto contitucional a partir de premissas propriamente políticas. Não mais sociais. Em outras palavras, respeitando a relativa autonomia do político na sua produção legislativa e respeitando também uma certa profissionalização da política; que faz de deputados e senadores constituintes, criaturas apetrechadas de um certo saber, um certa prática, de um certo know, que é completamente distante das competências do senso comum e dos não iniciados. Eis aí essa perspectiva política; da redação do texto constitucional. Ora, o que dirá esse olhar? Esse olhar dirá justamente que: a constituição, ela não resulta da manifestação ampla dos interesses sociais, mas ela resulta de interesses muito mais específicos, patrocinados e abrigados pelos profissionais da política, especificamente responsáveis pela redação do texto constitucional. Então eu diria o seguinte: o olhar político sobre a constituição, é um olhar mais específico e especializado da redação do texto constitucional, do que o olhar sociológico. Ao invés de entender a constituição como resultante de uma ampla manifestação da vontade popular, você entende a constituição como o resultado do embate de interesses de profissionais eleitos pelo povo para redigir o texto constitucional. Eu insisto: nada impede que aqui ou acolá, os parlamentares não se sirvam dos interesses sociais; não se apropriem dos interesses sociais ou até não se antecipem aos interesses sociais, eles fabriquem interesses sociais; mas isso será sempre um trabalho político, tem a iniciativa do profissional da política, e que tem por trás interesses propriamente políticos.

Eu queria que você entendesse o que eu vou explicar agora é de grande sutileza, de grande riqueza analítica. A idéia de que os interesses sociais não são a causa do trabalho parlamentar, mas eles são de uma certa maneira a consequência do trabalho parlamentar. O que eu quero dizer com isso? Eu vou partir de um exemplo concreto. Vamos pegar um deputado constituinte que teve até uma atuação bastante ativa, chamado Arnaldo Faria de Sá. Muito bem. Ele se elegeu com a bandeira dos aposentados. O símbolo dele era um galo,e o slogan era: esse briga por sua causa. Muito bem, você dirá: há aposentados com interesse de defesa da sua aposentadoria? Claro que há. Você tem um, dois ou três na casa verde; cinco no capão redondo, dez não sei aonde e que sejam três mil, dez mil, quinze mil. O fato é que esses aposentados estão dispersos no mundo. Eles não se conhecem. Eles portanto não constituem um grupo. Eles não fazem parte de um coletivo. Na verdade eles estão preocupados com seu problema específico. Muito bem. O que diz Arnaldo Faria de Sá. Eu sou o defensor dos aposentados. E ao dizer isso ele fabrica o coletivo em nome do qual ele fala.

Ao invés de haver uma manifestação organizada da sociedade e eu ser o porta voz passivo dessa sociedade; eu sei que tem aposentados pelo mundo, ou pelo menos eu presumo e aí o que eu faço? Eu sou o representante dos aposentados. E aqueles aposentados, que até então estavam dispersos pelo mundo, por conta do meu discurso, acabaram sendo nomeados como coletivo. Então eu fiz acontecer um coletivo que até antes do meu discurso não existia. E assim eu posso me apresentar como defensor de prostitutas, de gays, de professores universitários, de qualquer grupo; enquanto eu não abrir a boca não é grupo, mas depois que eu abrir a boca, passa a ser grupo. Que eu represento. E você, que até aquele fulano abrir a boca, achava que aquele problema era só seu, porque ele falou do grupo; passou a sentir membro de um grupo e tenderá a votar naquele que se diz defensor do grupo, que você nem sabia que existia. Percebeu como funciona? É o golpe do ilusionismo social

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E a genialidade do professor Bourdieu, é de perceber que o trabalho político é o da constituição de grupos a partir do discurso, com vistas a apropriação dos seus supostos interesses. Quem falou? Eu estou falando! E como você vai dizer que não existe? Você vai sair para demonstrar que os aposentados estão espalhados e não se conhecem? A julgar pelo que o cara falou, o que cada aposentado pensa. Nossa! Os outros aposentado estão todos na casa do Arnaldinho e eu sou o único que estou fora. Então deixa eu procurar o grupo que é o meu, e aí você faz acontecer, o que não existia antes de você dizer que existe. Você percebe que o discurso tem ái; o papel de construção da realidade da qual fala. E essa idéia recebe o nome na filosofia da linguagem de perfomativo. O efeito perfomativo do discurso. É você fazer acontecer, a realidade sobre a qual você fala.E o caso do Arnaldo Faria de Sá é um exemplo fantástico. Ele falava com uma enorme convicção: os aposentados estão todos atrás de mim. E o que incrível! No momento mesmo que ele falava que já estavam, passavam a estar. Esse é o cara! Só eu não estou sabendo! Na verdade, ninguém estava sabendo até o momento em que ele se apresentou como tal. Nesse sentido, você percebe uma fronteira curiosíssima, entre a perspectiva sociológia, e a perspectiva política de análise do texto constitucional. De qualquer maneira a perspectiva política, é aquela que nos é mais familiar, e esse olhar político da contituição evidentemente é um olhar que aponta para um espaço de barganha, um espaço de negociação, um espaço de aliança, um espaço de enfrentamento. O parlamento é ao mesmo tempo, uma arena de luta e um espaço de estreitas alianças, com vistas a uma articulação sempre estratégica, de busca de aumento do capital político, por partes daqueles que ali estão jogando. Então nesse sentido, a redação do texto constitucional, acaba sendo um momento privilegiado desses profissionais, que pelo fato de terem participado de um momento tão importante da história do país, acabaram se servindo de uma vitrine pública privilegiada, acabaram se apresentando como constituintes e até hoje quando se candidatam, fazem questão de destacar em primeira mão, que foram parlamentares constituintes e portanto são responsáveis pela redação do texto constitucional que todos nós temos nas mãos. Então nesse sentido, escrever uma constituição atendia as pretensões de todo mundo. Porque graças a essa tarefa auto-instituída, todos que se envolveram nesse trabalho, acabaram acumulando um plus de capital político, de notoriedade, de reconhecimento, de legitimidade, que podem gastar até hoje, nos seus embates, nas suas candidaturas, nas suas proposituras e assim por diante.

É preciso lembrar que o momento de elaboração do texto constitucional em 1988, que levou mais ou menos um ano e dez meses, de 87 um ano inteiro, e 88 até outubro, você assistiu ao nascimento de agremiações políticas, ao surgimento de grupos parlamentares, ao nascimento de futuros líderes políticos, portanto nós podemos entender que a Assembléia Nacional Constituinte foi um momento de intensificação das relações políticas, uma espécie de laboratório onde a política se intensifica, sob o olhar atento, vigilante, mas consagrador dos meios de comunicação que fizeram da política, um espetáculo gratificante para expectadores e atores.

Pergunta 1 de 1

No olhar político, o texto constitucional:
• Resulta de interesses muito específicos patrocinados e abrigados por profissionais da política responsáveis pelas mudanças sociais.
• Resulta de interesses muito específicos, patrocinados e abrigados por profissionais da política responsáveis pela redação do texto constitucional. correta
• Resulta de interesses coletivos, patrocinados e abrigados por líderes políticos engajados na luta entre class.

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